domingo, 4 de outubro de 2009

Artigo publicado - DP, dom, 4 out. 2009

A COPA DA EDUCAÇÃO

Clóvis Cavalcanti

Economista e pesquisador social

Costumo receber mensagens de pessoas que têm a paciência de me ler aqui. Geralmente, respondo a cada uma através do correio eletrônico. Há poucos dias, porém, chegaram-me perspicazes reflexões de um leitor que foi meu aluno (ele não precisava), o biólogo, ambientalista e poeta de cordel Bartolomeu Leal de Sá, as quais merecem atenção especial. Referindo-se a matéria publicada pela revista Algomais, com o título “Cidade da Copa leva o Recife para o oeste”, ele salienta a convicção que paira de que a capital pernambucana, ao se oferecer para abrigar jogos da Copa do Mundo de 2014, só pode crescer se for para o interior. Nesse sentido, uma série de construções terá que ser feita entre os municípios de S. Lourenço da Mata, Recife e Jaboatão ao custo de R$ 1,6 bilhão. Não se cogita nunca de discutir que tamanho ou escala seria desejável para a cidade. É qualquer dimensão que cabe? Não se pode dizer que a população recifense atual, de 1,5 milhão de residentes, disponha de condições propícias para uma vida tranqüila. Pelo contrário, sofre-se com o congestionamento das vias públicas; o sistema de saneamento esgotou-se; não existe lugar para estacionar carros nem formas de transporte que não sejam o automóvel e o ônibus.

Neste ponto Bartolomeu adverte que não se pode dizer que a área atual que o Recife construído ocupa tenha esgotado seu território. Segundo ele bem lembra, o que está ocorrendo é que o Recife foge do Recife: “está abandonando um centro deteriorado, para ir deteriorar outras áreas. A cidade está fugindo de sua degradação, em vez de se recuperar. Digo isto em virtude da subutilização de áreas em vários bairros e ruas como Santo Amaro, rua da Aurora até a ponte do Limoeiro, rua Imperial, estrada dos Remédios, avenida Norte, avenida Sul, início da avenida Caxangá e muitas outras onde existem prédios, galpões abandonados, terrenos imensos. Não há mercado para investimentos em imóveis novos em áreas degradadas. Daí ser necessária a revitalização e urbanização delas. Assim como se defende uma reforma agrária, também é preciso uma reforma urbana”.

Onde agora há edifícios com 50, 80 ou mais apartamentos, isto é, ruas verticais, existiam ruas de casas térreas com desenho apropriado. Ao se dar tal substituição, os serviços urbanos deterioraram-se e a qualidade de vida sofre. Em lugar de recuperar lugares que se degradam, pensa-se em uma expansão custosa cujo mote é a Copa da Fifa de 2014. Neste âmbito, Bartolomeu relata: “Ano passado participei de uma oficina de educação, na cidade de São Lourenço da Mata, para professores do ensino médio. Foi numa escola estadual, de cujo nome não lembro. O estado dela era deplorável, embora a construção não fosse antiga. Só havia porta na sala em que trabalhamos. Mas ela não fechava, pois não se enquadrava na grade, não havia o trinco e era toda furada. A mesa do professor era de cimento, e nela estavam pintados palavrões de todo tipo. As torneiras dos banheiros não tinham fecho, de modo que era impossível abri-las. Os funcionários traziam água em baldes para lavar as mãos ou para descarga, se alguém ousasse usar os banheiros. O nível dos professores diante de tanta dificuldade não poderia ser outro”. Situação semelhante, em Camaragibe, no bairro de Vera Cruz, era a da escola Torquato de Castro, instalada em metade de um galpão de padaria. Na outra metade estão o forno e o depósito de lenha. “Cito esses dois exemplos da cidade degradada, abandonada, em fuga de si mesma e da caótica situação do ensino, para confrontar tais carências com os recursos que serão aplicados na Copa [...] Não seria melhor ganharmos em 2014 a Copa da Educação? Depois disto poderíamos ganhar e atrair muitas outras copas”.

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