domingo, 26 de setembro de 2010

Artigo publicado no DP, dom. 26.9.2010

MEIO AMBIENTE E AS ELEIÇÕES

Clóvis Cavalcanti

Economista ecológico e pesquisador social

No dia 9 deste mês, meu aluno da disciplina (Meio Ambiente e Sociedade) que leciono em Ciências Ambientais da UFPE, Rafael Figueirôa Ferreira, faleceu vitimado por um tipo letal de lepstopirose. Francamente, não é para se morrer hoje em dia de um mal como esse associado a más condições ambientais. Na verdade, a infecção que matou uma excelente pessoa que ficou próxima a mim se deve à ineficácia ou inexistência de redes de esgoto e de drenagem de águas pluviais, à coleta de lixo inadequada e a alagamentos de ruas no período de chuvas. Em situações de impróprios cuidados com o meio ambiente, frutificam condições propícias à alta incidência das doenças infecciosas. Quando isso ocorre num contexto fora da extrema pobreza, é para se pensar na precariedade em que vivem as populações menos afortunadas. Populações essas que, malgrado o discurso do resgate da pobreza de número considerável de brasileiros em época recente, continua vivendo com padrões inadmissíveis de bem-estar. Nesse sentido, vale lembrar que, na definição do economista Amartya Sen (Prêmio Nobel de 1998), a pobreza é privação de capacidades básicas. Assim, como escreveu recentemente o prof. José Eli da Veiga, da USP, “ela jamais deveria ser medida apenas com estatísticas de insuficiência de renda. É pobre mesmo quem tem renda superior ao critério de corte (‘linha de pobreza’) se não puder convertê-la em vida decente. Por falta de saúde ou de educação ou outras carências”.

Em 2009, no Brasil, 41% dos domicílios não possuíam saneamento básico. Não passaria de “pura ilusão, portanto, supor que não sejam pobres pessoas que padeçam dessa catastrófica privação que é o permanente risco de contrair parasitoses, só porque ganham mais de meio salário mínimo” – conforme salienta José Eli da Veiga no jornal Valor de 21.9.2010. Para Veiga, “Chega a soar como propaganda enganosa o uso do tosco critério de renda monetária para dizer que a pobreza está despencando. Encobre a inépcia dos governos em enfrentar o desafio do saneamento”. Pois foi por aí que Rafael, que não fazia parte da categoria que o governo se jacta de haver extraído da extrema pobreza, se contaminou mortalmente. Seu caso ilustra um problema que alcança a classe média, passando, evidentemente, em proporções mais trágicas pelos excluídos da sociedade. Esses que vivem da “bolsa família” – um programa que, se tem méritos para suavizar o quadro de miséria da população, constitui também uma medida de sua exclusão. Foi o meio ambiente mal saneado e mal gerido da cidade que permitiu à bactéria Leptospira interrogans executar seu plano destruidor.

Quadro semelhante é retratado pelo distinguido colunista do New York Times, Nicholas D. Kristof, em artigo de 3.9.2010, falando da salmonela nos Estados Unidos. Sua presença na cena americana deve-se ao péssimo meio ambiente inventado para a criação de galinhas de granja. Ao mesmo tempo em que mandam frango barato para os supermercados, as granjas, que não passam de fábricas de carne e ovos, “transferem custos de saúde para o público – sob a forma da salmonela ocasional, de doenças resistentes a antibióticos, de águas poluídas, envenenamento de alimentos e possivelmente certos cânceres”. A expansão agrícola em grande escala acontece, segundo Kristof, com pouco reconhecimento dos seus impactos negativos. “Produzir comida barata é tudo”, conclui ele. É com essas preocupações que causa enorme desconforto voltar, no YouTube, a ouvir da então ministra Dilma Rousseff, falando em público, em Copenhague, em dezembro de 2009, que “O meio ambiente é, sem dúvida nenhuma, uma ameaça ao desenvolvimento sustentável. E isso significa que é uma ameaça para o futuro do nosso planeta e do nosso país”. Fazer o quê com o meio ambiente? Afastá-lo do caminho, já que ele é “ameaça”? Será isso o que nos espera?

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

XI ISEE - 11a. Conferência Sociedade Internacional de Economia ecológica - Oldenburgo, Alemanha, ago 2010


Oldenburgo, encerrramento do XI ISEE, com os estudantes voluntários, envolvendo 70 países e 800 pessoas

Bicicletas oferecidas aos participantes

Clóvis no pátio da Universidade de Oldenburgo

Entrevista no intervalo

Preparação para o jantar oferecido na cidade de Bremen ao participantes

Ao centro, Nina, estudante voluntária que fala português bem, nos recebeu no aeroporto

Boas vindas e jantar na Prefeitura de Bremen

Chegada a Bremen e os latinos

A caminho de Bremen, turbinas eólicas

Brasileiro, Argentino e Chileno

Palestra

Alunos de mestrado, que organizaram uma das palestras de Clóvis

Clóvis e os alunos

Em debate

replicas...

Intervalo

Mais uma palestra

Mais uma entrevista

Toda comida servida era orgânica - bio

Artigo publicado no DP, dom. 12 set 2010

BRASIL, CRESCIMENTO E ATRASO

Clóvis Cavalcanti

Economista ecológico e pesquisador social

O Brasil hoje é um país que cresce muito. Na imprensa mundial, são constantes os elogios a seu desempenho econômico, inclusive porque, diante disso e da expansão da China, Índia e outros países emergentes, a economia mundial fica ancorada em melhor posição. A crise mundial não se abateu; os Estados Unidos patinam; a Europa aperta o cinto. Aí se vê que os chamados BRICs têm oferecido uma saída para as dificuldades dos últimos tempos (a China, obviamente, por seu tamanho, à frente). Porém, a expansão econômica brasileira tem que ser encarada com uma dose de mal-estar. É que a qualidade de vida da população não acompanha o processo e tem mesmo tendido ao retrocesso. Quatro áreas ilustram bem o problema: saúde, educação, segurança e transporte público. De vez em quando, por exemplo, volta a dengue com redobrado vigor. Os hospitais públicos vivem entupidos de gente com atendimento precário. Ouvem-se depoimentos lamentáveis de pessoas que passam pelas agruras de não poder realizar seu direito humano fundamental de bom atendimento à saúde. Não é muito diferente o quadro da educação. Enquanto muitos países progridem no sentido da escola integral, o que se oferece no Brasil é uma farsa de ensino. Quanto à violência, é só conversar com qualquer pessoa para saber que ninguém sai de casa tranqüilo, sobretudo depois de certas horas. Assaltos dentro de ônibus são comuns. Viciados no crack se espalham em toda parte, carregando consigo a onda de violência que a dependência da droga se encarrega de frutificar.

Em matéria de transporte de massa, vivemos uma realidade insustentável. Como escreveu meu ex-aluno, o economista Jorge Jatobá, na revista Algo Mais de agosto último, ele “é pouco freqüente, inseguro e desconfortável, ou seja, irregular e de má qualidade”. Os parcos investimentos nele realizados, “como o nosso limitado metrô de superfície, levam muitos anos para maturar, desafiando a paciência do cidadão e multiplicando os custos das obras e das desapropriações com relação à orçamentação original”. Fico entristecido quando vejo alunos meus contando que levam duas horas e meia de casa para a universidade – e vice-versa. Esse tempo é recurso jogado fora, pois nele o estudante poderia estar lendo, aprofundando conhecimentos, se qualificando melhor. A situação fica mais clara quando se constata o que é feito em muitos lugares do mundo. Passei uma semana na Alemanha em agosto recente, participando de evento onde havia 800 pessoas inscritas. Quem nos deu abrigo foi a universidade da cidade de Oldenburg. Na nossa recepção, o presidente do encontro proclamou que nosso meio de transporte lá seria a bicicleta e o ônibus. Quem quisesse, teria direito a uma bicicleta e a inscrição no congresso garantia passagens gratuitas. O propósito disso era fazer uma reunião que contribuísse para o “baixo carbono” (poucas emissões de CO2). Aí foi que (junto com Vera, minha mulher) vi o que é qualidade de vida.

Andávamos de bicicleta do modo mais tranqüilo possível. Na cidade, a preferência no trânsito é dos ciclistas. Lá existem ciclovias em todas as ruas, quase sempre de ambos os lados, nas calçadas. Os pedestres têm seu espaço. Sobram poucos carros na rua. Pedalando, em dez minutos, íamos do hotel à universidade, a 3,5 km de distância. Todo mundo obedecia aos regulamentos. Nenhum automóvel bloqueava a passagem dos ciclistas. Podia-se, assim, manter uma velocidade regular. A mesma eficiência acontecia com os ônibus, com horário preciso (tipo 8h47 ou 14h03) para passar na parada. Somem-se a isso limpeza pública, ausência de ruídos de alto-falantes, inexistência de outdoors poluidores da paisagem, arquitetura elegante (sem os recursos medíocres do Recife) e parques admiráveis (nenhum absurdo do tipo Parque D. Lindu), etc. Percebe-se então a enormidade de nosso atraso. Crescemos economicamente. Regredimos em qualidade de vida. Em suma: vivemos pior.