domingo, 25 de julho de 2010

Artigo publicado DP, 25 julho 2010

APETITE INSACIÁVEL

Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social

Após visita ao sítio do terrível vazamento de óleo do Golfo do México, o presidente Barack Obama, dos EUA, falou à nação americana no dia 15 de junho último. Para conferir solenidade à ocasião, o discurso foi transmitido – pela primeira vez em sua presidência – do Salão Oval da Casa Branca, um dos símbolos do poder no país. Entre várias coisas que disse (fazer a empresa BP, causadora do desastre, pagar pelos danos verificados; aumentar o rigor da regulamentação da indústria petrolífera), afirmou que “o país deveria procurar reduzir seu apetite pelo óleo”. Esse apelo não encontrou maior entusiasmo da parte do cidadão ianque, como assinala a revista britânica The Economist, de 19.6.2010. Na verdade, os americanos, entre os consumidores do mundo, são os que mais estão viciados em combustíveis fósseis. Pedir que reduzam voluntariamente sua gula automobilística é chover no molhado. O problema é que tal vício se alastra em toda parte. No Brasil, a melhor prova do fenômeno é a vibração que existe em torno do pré-sal. O presidente Lula da Silva o incorpora alegremente. Há pouco, por exemplo, declarou que a Petrobras tem tecnologia superior à da BP e que um desastre como o do Golfo do México não acontecerá nunca aqui. Já nos acostumamos às tiradas dogmáticas do presidente, que dá a impressão de que, por ser a maior autoridade da nação, disporia do privilégio de poder transformar qualquer coisa em verdade suprema.
Em março de 2009, ninguém havia ouvido falar da gripe suína. Em março de 2008, ninguém imaginava a violência do furacão financeiro que, daí a seis meses, ocorreria na economia mundial. Assim, é totalmente absurdo afirmar que um desastre, talvez até pior do que o do Golfo do México, não irá acontecer no campo petrolífero do pré-sal brasileiro. Neste, a profundidade é maior do que naquele, tanto do fundo mar quanto do depósito do óleo. E quanto mais se desce em profundidade marinha, mais se elevam os riscos de qualquer coisa que aí se faça. A pressão da água a 2.000 m é assustadora e a escuridão do fundo do oceano, mais um obstáculo. O petróleo sai das entranhas da terra a temperaturas altíssimas. Mesmo que se consiga um domínio notável dos problemas que possam ocorrer, o futuro será sempre muito incerto. Não é que seja imprevisível. A ciência do assunto é que não tem uma base para calcular riscos. Tudo o que se possa afirmar a respeito virá cercado de muita imprecisão.
Algo, porém, não pode ser negado: o petróleo causa problemas em toda parte – ambientais, humanos, políticos. Caso ilustrativo é o do Delta do Níger, na Nigéria. Aí, a exploração petrolífera, iniciada nos anos 1950, produz efeitos humanos e ambientais dos mais lamentáveis. Sobre o assunto, a The Economist de 26.6.2010 relata: “formas tradicionais de emprego, como agricultura e pesca, têm sido destruídas pela assustadora poluição causada pelo óleo [no Delta do Níger] nas últimas décadas”. As condições de vida da população local se deterioraram de tal forma que a esperança de vida ali é inferior a 40 anos. Um líder do povo Ogoni – do lugar –, Ken Saro-Wiwa, escritor, produtor de TV e ambientalista, foi enforcado pelo governo nigeriano, aos 54 anos, por pedir justiça, apelando para meios não-violentos. Sua condenação – por incitação à desordem, acusação oca que lhe faziam – e execução em 1995 aconteceram a despeito de apelos mundiais de clemência, dirigidos ao governo nigeriano (na época, a ditadura militar de Sani Abacha). Quinze anos depois, a situação dos habitantes do Delta, de onde o mundo extrai petróleo para satisfazer sua ganância insaciável, só fez ficar pior. Esse é um panorama que se deve ter em mente no caso do Golfo do México, no do Pré-Sal e muitos mais. E que não pode ser esquecido quando se deseja consumir cada vez mais um combustível fóssil que tanta infelicidade tem trazido ao mundo. Obama está certo.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Resgate de Filhote de uma Baleia Jubarte em Alagoas

Relato de Cacá, filho de Clóvis (Carlos André Cavalcanti e família),
neste final de semana:


Este domingo passado tivemos uma experiência maravilhosa no litoral norte de Alagoas, trecho ainda preservado da nossa bela costa atlântica. Estávamos comprando peixe fresquinho numa peixaria, quando chegou uma senhora dizendo que havia uma baleia jubarte encalhada na foz do rio Camaragibe. O pescador que estava tratando nosso peixe, falou para ligar para o IBAMA, para o Bombeiro, etc. Nós já estávamos indo para a foz do rio, pegar um barco para conhecer o interior do Camargibe. Aí chegou um garoto de 9 anos e disse que o Pai estava com sua Mãe desencalhando um filhote de Jubarte. Aí seguimos (Silvia, Mamãe, Meõm, Tiê e Cauê) em direção a praia dos morros, perto da foz do rio. Fomos caminhando ao local indicado pelo garoto e de longe dava para ver o filhote da jubarte com um casal tentando colocá-la em direção ao alto mar. Corremos para junto e começamos a ajudar o filhotinho(a), de uns 4 metros e uns 500 Kg, pelo bem lisa, preta por cima e zebrada por baixo. Foi incrível abraçar uma baleia no mar, apesar de sentir o sofrimento do bichinho, desgarrado da mãe e tonto de tanto levar caldo. Tinha pouca gente, entre cianças e mulheres, umas 8 pessoas. Depois de muito tentar, levar caldo, conseguimos colocá-la em direção ao alto mar. Todavia, por desorientação, o filhote retornou a beira da praia com as marolas do mar que secava. Mais uma tentativa, aí chegou um pouco mais de gente comum para ajudar. Mas nada de gente do IBAMA ou do bombeiros. Fizemos muito esforço, e Silvia até proferiu a oração AMATSU NORIGOTO da Mahikari. Em seguida, de certa forma já exausto e pensando na chegada de reforços profissionais, conseguimos colocar a cabeça do bichinho em direção ao alto mar, peguei na barbatana esquerda e outro cara na direita, seguindo a nado em direção a arrebentação. Literalmente nadamos juntos com a Jubarte e pufffff, se foi o filhote em direção ao alto mar... Que sensação maravilhosa, de liberdade!!!!

Beijos e boa semana... Eu já começei a minha super feliz...
Cacá

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E Cauê no meu colo olhava de pertinho a baleia e dizia: u bichu, u bichu! Rsrsrsrs. Meõm e Tiê tb ajudaram um pouquinho pois o peso ñ era nada infantil. Helen teve o dedo quase amassado pelo filhote e para quem assistia, só restava rezar. No final tudo deu certo mas eu tive 2 sensaçoes fortes: a grandiosidade da natureza e a solidariedade humana.

Besitos , Silvia

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19.07.2010 | 16h15

Filhote Jubarte não resiste e morre após 24 horas de encalhe

Animal media aproximdamente 4,5 metros; espécie está na temporada de migração para águas tropicais

Gazetaweb - com Porllanne Santos

Morreu nesta manhã de segunda-feira (19) o filhote de baleia Jubarte (Megaptera novaeangliae) que encalhou na praia do Morro do Camaragibe, localizada no município Passo do Camaragibe, na tarde de ontem (18). O animal media aproximadamente 4,5 metros e era fêmea.

O Instituto Biota de Conservação, juntamente com o Centro de Mamíferos Aquáticos (CMA) e a Fundação Mamíferos Aquáticos (FMA) realizaram o socorro do animal, durante 24 horas, mas o mamífero não resistiu e entrou em óbito. De acordo com o presidente do Biota, Bruno Stefanis, o filhote era recém nascido e pode ter se perdido da mãe durante a rota de migração. “Ela ainda apresentava resquícios do cordão umbilical. Há a probabilidade de que ela tenha se perdido da mãe durante a rota de migração, onde essas baleias procuram águas tropicais para se reproduzirem”, explicou.



Stefanis contou que o Instituto recebeu a informação sobre o encalhe na manhã deste domingo (18), através de uma ligação de moradores que residem na praia. Ele informou ainda que o grupo conseguiu reintroduzir o animal por sete vezes no mar, mas a baleia voltava a encalhar novamente. “O animal estava vivo, mas muito debilitado. Conseguimos reintroduzi-la por várias vezes, mas ela sempre voltava a encalhar, acreditamos que por alguma questão fisiológica do próprio animal”, disse.

As equipes de resgate chegaram a se revezar, passando a noite com o animal, mas não foi o suficiente para evitar que ele entrasse em óbito. As instituições fizeram coletas de materiais biológicos para estudos científicos e enterrou a carcaça da baleia no local para posterior resgate da ossada.
Há cerca de dois anos um outro filhote da mesma espécie de baleia foi encontrado morto na mesma praia. Conforme o presidente do Biota, a temporada de migração vai deste mês de julho a dezembro.

domingo, 11 de julho de 2010

Percepção infantil


"Professor eu vou dizer
O senhor é bom demais
Protegendo nosso mundo
E protegendo os manguezais
Aposto que agora mesmo
Agradecem os animais"


Renata Wogeley, de 9 anos

"Agora vamos falar
Sobre meio ambiente
Agora o que precisamos mesmo
É de ter pessoas conscientes
O que os animais reclamam
É da sujeira da gente.

Natureza é vida"


Renata Wogeley de 9 anos foi com a mãe Cibelle Wogeley assistir a aula de Clóvis, sobre Sociedade e Meio Ambiente, na turma de Engenharia Eletrotécnica na UFPE

Artigo publicado DP, 11 jul 2010

DESASTRES AMBIENTAIS E IGNORÂNCIA ECOLÓGICA

Clóvis Cavalcanti

Economista ecológico e pesquisador social

Desastres ambientais (previsíveis) têm acontecido com freqüência cada vez maior. Seus impactos humanos, por sua vez, tendem a assumir dimensões inusitadas. E as pessoas reagem como se tudo fosse manifestação cega da ira dos elementos. De fato, eventos como inundações violentas se repetem. A questão é que estão ocorrendo de forma incomum, em termos do que a população habituou-se a experimentar. Quase ninguém imaginava, por exemplo, que um cataclismo como o de Pernambuco e Alagoas, há três semanas, assumisse as proporções que teve. Mas ambientalistas e pesquisadores têm alertado há tempo para duas coisas que se combinam perigosamente. Uma: a mudança climática, fenômeno causado – com pouca dúvida neste particular – por ações humanas ligadas ao uso insustentável da natureza. A outra coisa são os modos de ocupação de terras, desprezando-se cuidados como o da preservação de matas ciliares e da vegetação em geral. Quando se imagina que é preciso expandir a economia, as autoridades são as primeiras a dar o mau exemplo, partindo para a destruição de ambientes conservados, de que é ilustração apropriada o corte de mangues, mata e vegetação de restinga que o governo de Pernambuco efetua em Suape neste momento, para levar adiante seu “espetáculo do crescimento”. Esse mesmo governo corre, ironicamente, para aliviar o terrível sofrimento das vítimas das inundações em várias cidades do estado (como Palmares). Como se nada tivesse com sua manifestação.

É costume acusar ambientalistas e pesquisadores da ecologia de arautos de desastres que não acontecerão. O padrão dessa acusação vem de longe. Na época em que o cigarro se mostrava como produto inocente, por exemplo, quem denunciasse perigos a ele relacionados era tido como desinformado. Sobre isso, os historiadores da ciência Naomi Oreskes e Erick Conway (americanos) escreveram interessante livro, saído há pouco: Merchants of Doubt (Mercadores da Dúvida, com o subtítulo “Como um punhado de cientistas obscureceu a verdade em questões do fumo de cigarros e do aquecimento global”). Na obra, mostra-se que, em 1953, os fabricantes de cigarro contrataram uma firma de relações públicas para levantar dúvidas sobre os primeiros resultados de pesquisas que revelavam os perigos do fumo. Oreskes e Conway ainda expõem dados que indicam comportamento semelhante na época atual. As mesmas táticas vergonhosas têm sido adaptadas para sabotar debates relacionados com temas do meio ambiente. O que se quer é fazer crer que não existem os riscos ecológicos e as ameaças de que hoje falam os ambientalistas.

Vale a pena lembrar que, há poucos dias, o jornal britânico The Sunday Times teve de pedir desculpas públicas a um cientista depois de distorcer suas opiniões e publicar reportagem que contribuiu para pôr em dúvida a ciência da mudança climática e a integridade do IPCC, o painel do clima da ONU. O jornal acusava o IPCC de ter retirado informação de um relatório da ONG WWF, não de um artigo da literatura científica. Esse mesmo comportamento marcou a tentativa (inútil) de desmascarar as verdades científicas expostas por Rachel Carlson (1907-1964) no primeiro grande trabalho a denunciar os perigos dos agrotóxicos, Silent Spring (Primavera silenciosa), de 1962. Rachel Carlson foi ameaçada, processada, coagida. Mas resistiu (não sua saúde; ela morreu de câncer dois anos depois de o livro sair). A sociedade precisa prestar mais atenção àquilo que os estudos da ecologia formulam. Está em jogo o bem-estar e a vida de milhões de pessoas sem proteção em nosso meio (como os flagelados de Palmares).