segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

DP, dom. 25.1.2009

ROSA, ROSINHA, ROSARI

Clóvis Cavalcanti - Economista e pesquisador social

Todo mundo conhece a bela, sensual e gostosa manga-rosa. Mas quantos conhecerão as mangas rosinha e rosari? Nas duas últimas semanas, saboreei ambas pela primeira vez. Encontrei a rosinha no interior do Rio Grande do Norte e comprei algumas rosari no ótimo restaurante Mangai, de João Pessoa (pena que não haja uma filial dele no Recife-Olinda). Eu não conhecia essas espécies de manga. Maravilhei-me. A rosinha é menor, de um amarelo claro no exterior, deliciosa. A rosari é robusta, do tamanho de um melão, ótima. E tem a superfície ondulada, ao estilo de uma jaca. A cor é a mesma da rosa. Que beleza! Como se não bastasse esse passeio pelo mundo surpreendente e diverso das mangas, comprei manga-seda a caminho de Gravatá, há poucos dias, e ganhei belas mangas-primavera, amarelo-ouro, de Olinda, da casa de minha amiga e grande pintora da natureza Guita Charifker. Minha filha, Claudinha, por sua vez, me falou da manga-extrema, de carne parecendo manteiga, que há no lugar de São Paulo, Nova Veneza, onde esteve vivendo algum tempo. Traz-me uma satisfação imensa estar diante dessas dádivas incomparáveis da natureza. Todavia, preocupa-me a invasão de outra manga, a tomy, cada vez mais onipresente nas feiras e supermercados, completamente desconhecida do panorama pernambucano há vinte anos. Trata-se de uma fruta sem graça, que parece tomar anabolisantes, produto de uma economia que visa apenas lucros e uniformiza a natureza.
O mesmo problema se dá com relação ao caju, até com mais gravidade, por se perceber no seu caso um aparente processo de extinção da extraordinária diversidade da espécie. Há vinte anos, esperava-se ansiosamente a safra de caju no Recife e região vizinha, a começar em outubro. Quando surgiam os primeiros frutos, viam-se nas ruas não um único tipo, mas múltiplos tipos à venda – amarelos, vermelhos, rosados, grandes, redondos, compridos, achatados, com ou sem rachões, com ou sem manchas. Agora, não. Desde junho, surge uma única espécie da fruta, de tons rosa, todos do mesmo tamanho, que os vendedores arrumam em poluentes bacias de isopor, como se fossem produtos de uma fábrica que os homogeneizasse (a arrumação antiga era em “rodas” ou em cestas de folha de coqueiro). Adoro caju, mas esses eu não compro. Digo ao meu vendedor de frutas, e ele concorda comigo: “são clonados”. Nos meus passeios deste janeiro, pude apreciar a variedade de cajus que ainda existe por aí, sobretudo nas praias da Paraíba e Rio G. Norte (em Pernambuco, só se pensa em destruir para a construção de resorts, refinarias, estradas, uma barbaridade!). Chupei suculentos cajus, tomei alguns com cachaça (que combinação incrível!), admirei seu cheiro e sua forma. Fiz o mesmo com relação às mangabas, que também estão sumindo em Pernambuco, mas existem nos estados vizinhos ao norte.
É uma pena tudo isso. As novas gerações não sabem nada da mangaba. Sabem só um pouco do caju – de que Mauro Mota tão bem tratou em seu clássico de 1956 O Cajueiro Nordestino, onde já abordava o tema da devastação. Vale lembrar que o grave desse panorama é a lógica do sistema que o impõe, uma lógica que se contrapõe diretamente à lógica da vida. A lógica do sistema é linear, promove a concorrência e tende à uniformização, à monocultura, à acumulação privada. A outra, da vida, é complexa, plena de diversidade, de interdependências, de complementaridades e cooperação na busca do bem de todos os seres. Este modelo também produz – e com perfeição. É, porém, para servir à vida, e não para lucro pecuniário privado de ninguém. Seu objetivo é o equilíbrio com a natureza, a harmonia com a comunidade da vida e a inclusão de todos os seres humanos. É um paradigma muito anterior ao homem e à economia, que subsiste há 3 bilhões de anos. Enquanto isso, a nossa “civilização” só tem cinco mil.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

DP - dom, 11.1.2009

O ANTITURISMO DE OLINDA
Clóvis Cavalcanti - Economista e pesquisador social

Por mais boa vontade que se tenha para fazer vista grossa da desordem, o fato é que Olinda, que ostenta o laurel de Patrimônio da Humanidade, concedido pela Unesco, com sua desarrumação, está cada vez mais distante de fazer jus ao galardão. Sou morador de lá desde 1978. Tive sempre grande paixão pelo Marim, que oferece paisagens e desenho urbano tão especial. Concordo inteiramente com o verso de Carlos Pena Filho (1929-1960), segundo o qual “Olinda é só para os olhos”. Há trinta anos, citei-o em artigo que escrevi para o Jornal do Brasil, em que fazia a exaltação da cidade para onde mudara há pouco. De lá para cá, tenho presenciado um processo de decadência triste e inexorável, que faz de Olinda, apesar de intervenções que pretendem conservá-la, um espaço que se degrada. O Alto da Sé, por exemplo, que deveria ser o paradigma da conservação, pois para lá convergem todos os visitantes que chegam à cidade (passando sempre, inevitavelmente, em frente de minha casa), apresenta um estado de desfiguração inominável. Nesta época do ano, em que pessoas de outros estados e países me visitam em bom número, costumo ir com mais freqüência ao Alto da Sé. Saio de lá deprimido.
Em 1978, o local era ainda muito preservado. Podia-se avistar de lá o Horto Del Rey. Só havia uma tapioqueira, D. Conceição, que fazia ponto na esquina da Sé, sem tamboretes, toldas, etc. Sua tapioca era gostosa, feita com asseio no rigor da melhor tradição. Quem vai hoje à praça, dali sai enojado de tanta sujeira. As próprias tapiocas, que provei recentemente, são um atentado à saúde pública. Os pontos de venda de comida e bebida não obedecem a nenhum plano urbanístico. Constituem amontoados sem ordem. O jardim – de configuração paisagística imprópria para um local de valor histórico – encontra-se destruído. Há construções absolutamente irregulares por ali, inclusive de lojas que agridem o sentido do título de “World Heritage” da Unesco dado a Olinda. Enorme placa de propaganda do governo – outro atentado à estética – anuncia defronte da catedral que o sítio está sendo urbanizado e que lá se constrói um mercado de artesanato. Ótimo que se faça isso. Mas é preciso que se tenha que deixar que antes uma destruição completa aconteça? Isso também não justifica a sujeira, a podridão, o estado de miséria que ali se vê, semelhante ao pior do que já observei na África (Mali, Burkina Fasso, Níger, Angola). E para quê placa tão gigantesca de propaganda do governo?! Aliás, algo de tamanho totalmente descomunal – e impróprio – é a placa do gasoduto que os governos federal e estadual implantaram na BR-232, à altura da entrada de Moreno: eleva-se à altura de um edifício de cinco pisos! Um perigo para a atenção dos motoristas.
A desfiguração de Olinda se vê com tristeza no adro do convento de São Francisco, meu vizinho. Para proteger ruínas de possível interesse histórico, cavou-se um buraco e transformou-se a praça, que era de desenho agradável, em monstrengo disforme que dificulta seriamente a movimentação de pessoas menos ágeis (onde estão as leis que impõem facilidade para quem não tem condições de locomover-se facilmente?). Na praça do Carmo, objeto de intervenções que a têm tornado mais atraente – interrompidas, porém, antes que se desse o acabamento final –, uma invasão se serviços informais de bebida e comida nos finais de semana espanta qualquer turista desavisado que por ali vá fazer sua curtição. A calçada, renovada com cuidados, vira piso encardido, fétido. A aproximação do carnaval, aliás, aterroriza os olindenses que pagam impostos para que a cidade seja bem cuidada. Não é degradação o que se quer. E o prefeito recém-empossado ainda diz que a folia de Olinda deve se estender mais pela noite afora. Vê-se que S. Excia. é mesmo um forasteiro.