domingo, 29 de novembro de 2009

Artigo publicado DP, 29.11.2009

OLINDA MALTRATADA

Clóvis Cavalcanti

Economista e pesquisador social

Quem anda pelas ruas do sítio histórico de Olinda, não pode deixar de pensar no agudo senso estético dos que nos legaram lugar tão especial. Não há outra explicação para que Olinda continue charmosa como é em meio a ações maltratam seu patrimônio. A situação tem se agravado nos últimos tempos com obras caóticas, como as que dão ao Alto da Sé um cenário de cidade da Chechênia. Não se sabe o que ficará ali; os serviços de “revitalização” do logradouro deveriam ter terminado em junho, mas se arrastam sem perspectiva de conclusão; a impressão é de que o centro da beleza de Olinda vai se transformar num shopping, Santo Deus! Quem mora na região não suporta mais o suplício da intervenção pública que lá se desenrola. Prova disso são abaixo-assinados que praticamente todos os moradores do local subscrevem pedindo providências corretoras à Prefeitura. Convencionou-se que ali é um espaço para gente jovem se juntar, beber e fazer barulho. Evidentemente, não é assim que se vai tirar proveito dos atrativos que Olinda oferece para o turismo de alta qualidade – como o que se vê em cidades classificadas pela Unesco como “Patrimônio da Humanidade” (Ouro Preto; Gratz, na Áustria; Bruges, na Bélgica; etc.).

Olinda possui a vantagem de abrigar o jardim botânico mais antigo do Brasil, criado em 19.11.1798 (há 211 anos!). E que se apresenta como a maior área arborizada em sítios históricos da América Latina. É o Horto d’El Rey, de 9 hectares, junto do Alto da Sé, reunindo enorme diversidade botânica, com plantas do “mundo que o português criou” aqui aclimadas, como observou Gilberto Freyre em artigo de 1924 para o Diario. Vale notar o comentário de Freyre de que as plantas exóticas introduzidas ali acrescentaram à economia do país “novos encantos de cor, de forma, de perfume, de gosto” – casos da canela, do cravo, da fruta-pão, da manga, “hoje tão pernambucanas quanto brasileiras”. Novos encantos também se acrescentaram, estes no plano da paisagem, com a arquitetura de igrejas, monumentos e casario da Cidade Alta compondo desenho harmonioso. São coisas de excepcional valor como essas que levaram a Unesco a incluir Olinda na sua lista de “World Heritage”. Infelizmente, os poderes públicos não se empenham em elevar o caráter excepcional de Olinda. Ao contrário, fazem intervenções medíocres, vulgares – como a modificação imperdoável do adro do convento franciscano mais antigo do Brasil, vizinho meu de rua. Enquanto isso, o Horto, propriedade privada da família Manguinhos, se conserva exemplarmente.

Assusta, por outro lado, como o partido que administra Olinda desde 2001 e que se denomina “Comunista do Brasil”, tenha abdicado completamente dos princípios socialistas e aderido ao mais crasso capitalismo mercantil. Talvez pensando que, dessa forma, mobilize recursos para a cidade – suposição benigna que faço –, a prefeitura do PCdoB está deixando Olinda entregue à sanha dos que querem ganhar dinheiro fácil ali. Começou com o nauseabundo projeto de um teleférico por cima do Horto d’El Rey e a construção de lojinhas no Alto da Sé, projeto esse a que se opuseram os verdadeiros olindenses, para quem o que se deve fazer é transformar a Sé e o Horto em locais de apreciação do patrimônio cultural e natural da cidade. Os proprietários do Horto não são contra sua desapropriação, mas desde que isso signifique um destino digno para o sítio. Hoje, como toda a cidade, ele é ameaçado pela invasão do crack e pelo desejo de ganhar dinheiro fácil de quem não tem compromissos com a singular Olinda.

domingo, 15 de novembro de 2009

Funciona mesmo! Aquecimento solar d´água na Fazenda do Tao


Uma parte da equipe multidisciplinar para execução do projeto - 15 nov. 2009

Instalação dos módulos com garrafas pet para circulação e aquecimento da água

Preparação do módulo

Improvisação de Lenildo, nosso caseiro, engenheiro nato - muito ensinou ao alunos de engenharia

Pinturas das garrafas

Participação de todos - Alunos de Ciências Ambientais, Engenharia Eletrica, Eletrônica e Mecânica

Início da execução - corte dos canos

Artigo publicado DP, dom. 15 ago. 2009

ENTRAM REFINARIA E ESTALEIROS; SAEM O CAJU E A MANGABA

Clóvis Cavalcanti

Economista e pesquisador social

Até poucos anos, a chegada do mês de outubro anunciava um dado prazeroso do verão no litoral pernambucano: início da safra de caju. De repente, ruas, calçadas, beiras de estrada, mercados se enchiam de cestas (de folhas de coqueiro), balaios, rodas de cajus grandes, pequenos, tronchos, gordos, delgados, redondos, compridos, amarelos, rosas, vermelhos, cor-de-laranja. Uma variedade enorme – no estilo de ser da natureza (onde não há homogeneidade). Os cajus vinham dos quintais, das matas, de reservas naturais como as da região de Suape, Porto de Galinhas, Itamaracá. Fazia gosto ver a multiplicidade dessa fruta maravilhosa, de odor atraente e brilhante colorido, exibida nas ruas do Recife. Eu não resistia à visão do primeiro caju da safra em começo: comprava-o para comê-lo com uma lapada de cachaça antes do almoço (como via meus tios Ernande e Vivi fazerem, sob a reprovação de meu pai). Era um prêmio ao paladar, como sabem todos aqueles que conhecem essa combinação ímpar. Infelizmente, a beleza do caju nativo sumiu. Tem-se hoje, em seu lugar, um caju uniforme, padronizado, homogêneo, de linha de produção industrial, com frutos de mesmo tamanho e cor, arrumados não mais em cestas, balaios ou rodas, e sim em bacias de isopor: cajus clonados. Cajus que aparecem desde junho, sem brio, sem charme. As novas gerações ignoram a riqueza vegetal dos cajus pernambucanos verdadeiros, como também das doces mangabas cada vez mais raras.

E isso porque a destruição ambiental no litoral pernambucano é um dos exemplos mais lamentáveis da irresponsabilidade ecológica das políticas para promoção do que, afrontando o léxico, se chama de “desenvolvimento”. A decisão de construir o complexo de Suape, por exemplo, embutia uma lógica destruidora. Na época em que o projeto foi lançado, era total o desrespeito das iniciativas governamentais ao meio ambiente. Uma reação de ambientalistas pioneiros em 1975 chamou a atenção do público para o fato. Houve reações raivosas a esses opositores de Suape – entre os quais eu me incluía – e a propagação da idéia de que ser contra o complexo era um desserviço a Pernambuco (o mesmo dogma continua prevalecendo). Compreende-se a exploração do ufanismo infantil de quem vê na indústria, nos complexos portuários, na exploração do pré-sal, etc. a grande saída para os desafios do nosso desenvolvimento. Mas até que ponto isso faz sentido numa perspectiva de muito longo prazo – que é quando interessa discutir a sustentabilidade do progresso? A civilização do petróleo talvez esteja mais perto do fim do que estamos do surgimento do projeto de Suape. Em lugar dela teremos que caminhar para um paradigma com base na energia solar. Quando a era das tecnologias limpas tiver que prevalecer, os grandes projetos pernambucanos perderão validade – e teremos ficado também sem os cajus e as mangabas insubstituíveis. Um empobrecimento eterno.

No domingo passado (8.11.09), diante da explosão urbana de Casa Forte, o Diario trouxe reportagem sobre a perda de identidade desse bairro recifense (caderno Vida Urbana). Entre os assuntos abordados, a partir de uma pesquisa da Unicap, ressaltava-se que a maior parte do patrimônio verde de Casa Forte “está nos jardins e quintais de suas casas”. É o que se observa na Fundação Gilberto Freyre, nos Maristas de Apipucos, na Fundação Joaquim Nabuco (graças a isso, consigo ainda apanhar cajus para meu hábito de combiná-los com cachaça). O quintal da Casa de Saúde S. José, na av. 17 de Agosto, acaba de ser exterminado para dar lugar, sob a aprovação dos poderes competentes (sic) a um shopping. Mais uma contribuição para o desaparecimento de nossas frutas inigualáveis. Vitória – não definitiva, porém – da vida artificial sobre a perfeição da natureza.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Artigo publicado, DP, dom. 1 nov 2009

NA DIREÇÃO DA CIVILIZAÇÃO VERDE
Clóvis Cavalcanti
Economista e pesquisador social


Em outubro último participei de importante seminário promovido pelo Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, na sede do BNDES, no Rio. O evento, em parceria com o CPDA (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e pesquisadores franceses, versou sobre “Segurança energética e segurança alimentar”, encerrando-se com marcante conferência do Prof. Ignacy Sachs (Sorbonne). Bem conhecido no Brasil, Sachs falou sobre “Rumo à civilização verde”, argumentando em torno do papel no mundo atual das energias de biomassa. Na sua visão, essas energias não darão contribuição de peso para a segurança energética. A razão é simples: a natureza impõe um limite ao que se quer fazer em termos de produção de agrocombustíveis e alimentos. Nem existe água nem terra em quantidades suficientes para que se produzam tantos combustíveis de biomassa quanto se queiram. Um dado é claro: no mundo, se o número de automóveis aumentou, o de famintos, também (um problema decorrente de falta de poder aquisitivo, não de falta de comida). Para as camadas afluentes, os combustíveis destinam-se a manter padrões de consumo cuja fisionomia de esbanjamento é a marca do modelo econômico que vigora. Ao mesmo tempo, a energia nuclear não seria uma solução de longo prazo.
Resta como alternativa a adoção de sistemas integrados de produção de alimentos e energia, nos quais os resíduos do cultivo dos primeiros sejam aproveitados para a segunda (produção de etanol ou biodiesel, por exemplo). A valorização dos subprodutos da agricultura (bagaço, palha, cascas, caroços, galhos) daria ensejo ao que Sachs chama de segunda geração de biocombustíveis (a primeira é a dos biocombustíveis hoje conhecidos). Ao mesmo tempo, encontra-se em gestação uma promissora terceira geração, com base nas microalgas e algas (de altíssimo teor energético e que se reproduzem com enorme rapidez). Porém, a grande mola da civilização verde terá que ser uma significativa mudança nos padrões de consumo que nos leve à economia de baixo carbono. Nessa perspectiva, o traço decisivo é o de um paradigma de “sobriedade energética” implicando mudanças nos padrões de transporte, habitação e urbanização. Não faz sentido, com efeito, que na economia de baixo carbono (como a que se pensa delinear em Copenhague, em dezembro próximo), continue prevalecendo a fisionomia atual, com o automóvel como meio de transporte da sociedade moderna (não em todo o mundo), em prejuízo de quem mora em periferias sem bons sistemas de transporte público.
A produção do agronegócio brasileiro, que se expande com enorme rapidez no Cerrado e bordas da Amazônia, justifica-se em grande parte pela economia dos biocombustíveis. Não pode estar aí, porém, o futuro do país, sobretudo quando se sabe da gravidade e das ameaças relativas à mudança climática. A crise mundial, ainda não superada – apesar da sensação de que o Brasil estaria passando ao largo dela –, deve ser uma oportunidade para se mudar de curso. Voltar a fazer a mesma coisa (mais do mesmo, como no caso dos Estados Unidos, salvando-se bancos e estimulando-se a economia), não dá. O Brasil, segundo Sachs, tem posição privilegiada no contexto mundial, graças a cinco atributos do país, por ele identificados: biodiversidade, floresta amazônica, diferentes biomas, suprimento favorável de água (à exceção do semi-árido) e comunidade científica preparada. Mas será que isso gera mais capital político do que fazer promessas mirabolantes com base no pré-sal? De qualquer modo, julga Sachs, o rumo da civilização verde significa trocar refinarias de petróleo por bioprodutos e captação de energia solar. Nisso, o Brasil tem excelente potencial.