domingo, 23 de novembro de 2008

Mensagem de Natal


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Diario de Pernambuco, 23.11.2008

GRANDEZAS E MISÉRIAS DA PAISAGEM RECIFENSE
Clóvis Cavalcanti
Economista e pesquisador social

Uma forma de apreciar a paisagem do Recife e Olinda é vê-la de seus rios. Foi o que fiz recentemente, com minha mulher, Vera, em belo passeio no catamarã Maurício de Nassau, de Liliana Filizola. Era fim de tarde de um sábado. Pode-se verificar em ocasião como essa como a região do Recife possui um cenário formoso. Entretanto, não pode fugir à observação que ao sul da cidade vai se perfilando uma paisagem pesada, de concreto, com edifícios de tamanho descomunal, a exemplo dos do cais de Santa Rita. Bem junto dali, o casario baixo do bairro de São José, com telhados harmoniosos, e torres de igreja graciosas, exibe um contraste visual impossível de não se notar. Do mesmo modo, do meio do rio, vê-se, ao norte, a paisagem bela de Olinda (infelizmente, mais bela ao longe do que de perto). Nela sobressai o verde, juntamente com pontos claros de prédios coloniais, sem as angulosas construções medíocres dos novos espigões do sul do Recife, símbolos de uma cidade que se enfeia em pudor. Deve haver quem goste de uma paisagem assim. Será que essas mesmas pessoas ficariam enojadas ao contemplar os arredores fauvistas de Paris, o distrito art deco do sul de Miami, as maravilhas urbanas tradicionais da costa da Dalmácia, os espaços construídos da Sardenha (Alghero, por exemplo)? Se a autoridade municipal do lugar onde está o Taj Mahal fosse o prefeito do Recife, será que permitiria que construíssem ali edifícios horrorosos como as tais torres do bairro de São José?
É triste ver como, a cada dia, no afã de enriquecerem, construtoras e imobiliárias vão ocupando sem piedade alguma o espaço público da paisagem recifense, um bem de todos, destruindo aquilo que herdamos das gerações passadas. De vez em quando, vêm pela Internet mensagens com fotos de Boa Viagem ou do Recife de décadas passadas. São instantâneos de grandeza que aí se revelam. Diante deles fica mais nítida a miséria urbana que se ergue hoje. Na verdade, são duas formas de miséria. Uma, da população das palafitas (o bairro dos Coelhos sobressaindo nas margens do Capibaribe). A outra, da arquitetura nova que não tem respeito algum pela herança de beleza da cidade. Compreende-se até que empresas privadas, movidas só pelo lucro, procurem fazer o que lhes proporciona maior rendimento. Não se pode é aplaudir um poder público que não inibe práticas inimigas da qualidade de vida da população. Um bom visual urbano é requisito de bem-estar para quem vive em cidade. Digo-o do privilégio de morar no sítio histórico de Olinda, com paisagens formosas para ver de todo lado – arvoredos e o Atlântico a leste, Hotel 7 Colinas e Alto da Sé (sem o horror da praça de barracas faveladas, que não vejo de minha casa) a oeste, convento de São Francisco ao norte, praça do Carmo ao sul. Gostaria que desse privilégio desfrutassem todos aqueles que vivem na Região Metropolitana do Recife.
Artigo que li há pouco, do arquiteto Zezinho Santos na revista Class Casa, chama a atenção para a controvertida reforma da orla de Boa Viagem. Gastou-se um dinheirão ali para, por exemplo, substituir um piso bonito, de pedras portuguesas, por outro, de blocos de cimento. Diz-se que essa é uma tendência que já ocorre em outras cidades brasileiras. Mas se formos por Lisboa, como mostra Zezinho Santos, com lindas fotos das elaboradas calçadas lisboetas em seu artigo, estamos mergulhando aqui, cada vez mais, na mediocridade. Liliana Falangola, citando Pereira da Costa, reivindica para a abandonada Cruz do Patrão, na entrada do porto do Recife o resgate que engrandeceria a paisagem recifense a partir daquela “coluna de ordem dórica, em cujo capitel se levanta uma peanha faceada, encimada por uma cruz”. É urgente que se interrompa o processo de trágica decadência da paisagem do lugar em que vivemos.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O TODO

Sofia Gasparotto
(aluna de Clóvis em aula prática)


Orgânico: alimentos, relações, ações e pensamentos.

O que mais poderia ter chamado a atenção na fazenda do Tao: a floresta de jaqueiras que nos acompanham até a casa? A fidelidade de lindos cachorros com estranhos? A receptividade das pessoas que moram no local? O clima harmonioso entre a casa e a floresta ao redor? A linda e calmante visão que se pode ter da pedra do Tao? A revigorante cachoeira entre musgos e bromélias? A compreensão e a generosidade dos contempladores deste santuário? Os momentos em que nos reunimos ao redor da mesa para, mesmo com poucas palavras, alimentarmos nosso corpo e também o nosso espírito? Poderia ficar comentando cada aspecto, cada sutileza do encontro que tivemos no fim de semana em que visitamos a fazenda do Tao, mas dentre esses momentos, um em especial me fez refletir mais sobre a sua importância, mas que, no entanto não percebemos no cotidiano o quanto ele é importante. Refiro-me, neste caso, aos momentos em que sentávamos à mesa para compartilhar as refeições e silenciosamente ou dividindo idéias e conhecimentos, alimentávamos a matéria e a essência. Não especificamente ao momento em si, mas a todo um processo que antecedeu estes encontros, o qual pode ser traduzido em uma maneira cuidadosa e natural com que os alimentos foram cultivados e preparados. Pudemos observar a diversidade da horta, cultivada sem a adição de substâncias externas e de uma forma com que aquele espaço fosse regulado a partir da cooperação entre os vegetais devido a sua diversificação. Interessante também pensarmos na auto-suficiência não só biológica daquele ecossistema que se regula a partir de uma teia de relações muito próxima, mas também no potencial de autonomia da fazenda como um todo em relação à alimentação das pessoas. E toda essa abundância só é possível porque há ali fatores essenciais para que a germinação das sementes proporcione “frutos” tão saborosos: um solo rico e fértil, um ar puro e água limpa e em abundância. Adiciona-se também o cuidado com que as pessoas depositam ao cuidar dos cultivos, seja aguando ou impedindo da forma mais orgânica possível que plantas daninhas e patógenos invadam aquele espaço.

Com relação à horta também gostei muito de saber, e ao acaso conhecer, uma senhora que estava trabalhando em outra horta na fazenda Tao, de forma totalmente orgânica também. A relação desta senhora com a horta também era muito especial, já que os alimentos que ela produzia eram utilizados para o seu consumo e para o comércio local, como forma de sua subsistência. Este estímulo e incentivo ao produtor local são de extrema importância, pois garante a subsistência dos moradores associando o conhecimento que é passado entre as gerações, impedindo que estes por falta de oportunidade migrem para as cidades, deixando-as super populosas e com condições precárias de vida; e impede que sejam consumidos e mobilizados recursos energéticos e transportes para que alimentos produzidos em outras localidades supram a demanda do município; e acima de tudo cria-se um vínculo de cordialidade e cooperação entre as pessoas que habitam áreas tão próximas e dependem de uma conservação conjunta para assegurar a manutenção deste local sagrado, provedor de alimentos, água, riqueza de espécies e harmonia.

Voltando a confraternização na mesa, vemos que esta é o resultado de um processo que envolve a natureza e os seres humanos numa relação que neste caso é eficiente sem deixar em nenhum momento de ser respeitosa. Este conceito também deve ser considerado no momento das refeições, levando em consideração a procedência dos alimentos e a maneira como interagiram com o ambiente. De igual importância, o consumo destes deveria conter estes mesmos princípios básicos: a diversidade, eficiência e proporções adequadas. A fazenda Tao agrega todos estes valores em suas etapas da manutenção da vida, seja para produzi-la ou sustentá-la. Vemos que não só os alimentos são orgânicos, mas as idéias, as ações, os pensamentos...

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Recife ... Oh! Bela


Conhecer o Recife pelas águas do Capibaribe que se juntam ao Beberibe para formar o Oceano Atlântico, é mergulha da história, na poesia, na lama do manguezal e sair com um carangueijo na cabeça, um olho se vê os coelhos, no outro as torres gêmeas, não sei qual visão dói mais no peito, se o descaso com a natureza humana ou com o meio ambiente todo. Mas o que me deu esperanças foi o cheiro do melaço na entrada do porto em Santo Amaro das Salinas, foi o primeiro alumbramento de Manuel Bandeira, foi o Oh! bela de Capiba, foi o pescador, foi o mangue...
Vera

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Diario de Pernambuco, dom. 9.11.2008

A PIOR CRISE

Clóvis Cavalcanti
Economista e pesquisador social

Toda atividade humana incide irrecorrivelmente no ecossistema, quer pelo lado da extração de recursos (a natureza como fonte), quer pelo do lançamento de dejetos sob a forma de matéria ou energia degradada (o meio ambiente como lixeira). Percebido desse ângulo, é evidente que o processo econômico tem que respeitar limites (quer os do fornecimento de recursos, quer os da absorção de dejetos, além dos da própria tecnologia e da ética). Daí, a noção do desenvolvimento sustentável: trata-se de promover a economia (e o bem-estar dos humanos) sem causar estresses que o sistema ecológico não possa assimilar. A. N. Whitehead (1861-1947), filósofo britânico, no seu livro A Função da Razão, indica que o ataque humano ao meio ambiente se desdobra em três etapas: viver, viver bem, e viver melhor. Viver é “obrigação” do ser vivo ao nascer. E o viver deve ser com bem-estar. Viver melhor requer a razão para que se decida qual a fórmula de progresso que convém. É um desafio que só os humanos contemplam. Lamentavelmente, o reducionismo de nossa visão de mundo tem feito com que essa busca haja se convertido na idéia exclusiva do crescimento econômico: aumento do PIB a qualquer custo.
Sucede que a lei básica da natureza é de degenerescência. Diz Whitehead: “Com insidiosa inevitabilidade, ocorre a degradação da energia. As fontes de atividade decaem gradativamente. A sua própria substância se desgasta”. Compete à razão dirigir o ataque ao meio ambiente para “promover a arte da vida”. Não é o que se faz. Ataca-se o meio ambiente sem nenhum cuidado quanto aos custos ambientais (e humanos) que acompanham tal ataque. Sem uso da razão. Daí acumulam-se problemas de todo lado, desde a poluição, à desertificação, à destruição da biodiversidade, ao aquecimento global. São círculos viciosos que se formam com as características de fenômenos de retro-alimentação positiva, ou seja, do tipo bola de neve ou bolhas que inflam até estourar. Esse fato suscita a questão de limites ecológicos à expansão humana. É óbvio que o limite de assimilação de CO2 pela atmosfera foi ultrapassado, com a conseqüente intensificação do efeito estufa de origem antrópica. A realidade que transparece é de desequilíbrios ecológicos que tornarão insustentável a presença humana no planeta. Em outras palavras, estamos numa rota suicida. O desfecho disso foi prognosticado por um sóbrio Celso Furtado em seu livro O Mito do Desenvolvimento Econômico, de 1974: nosso estilo de vida tem um custo de tal ordem, em termos de depredação do mundo físico, que qualquer tentativa de generalizá-lo levará inexoravelmente ao colapso da civilização.
Se hoje enfrentamos uma crise econômica gravíssima, fruto da insanidade do sistema financeiro globalizado, a insuportável carga da economia sobre o ecossistema levará a uma crise ainda pior. Problemas financeiros têm caráter conjuntural. Constituem pulsações que param em algum momento, como resposta a correções de rumo. Já os problemas ecológicos são de ordem bem mais complexa – com raízes profundas. É possível debelar distúrbios financeiros e econômicos com medidas monetárias e fiscais – talvez muito penosas. Já uma intervenção para corrigir perturbações ecológicas pode ser totalmente inócua, se a situação tiver ultrapassado aquilo que os ecólogos chamam de “thresholds” (umbrais). No dia 29.10.2008, o jornal britânico Guardian disse em editorial sobre a mudança climática: “Alguns cientistas estão perto do pânico”. É esse o entendimento dos que vêem na crise ambiental um perigo de crise pior