segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Diario de Pernambuco, dom. 9.11.2008

A PIOR CRISE

Clóvis Cavalcanti
Economista e pesquisador social

Toda atividade humana incide irrecorrivelmente no ecossistema, quer pelo lado da extração de recursos (a natureza como fonte), quer pelo do lançamento de dejetos sob a forma de matéria ou energia degradada (o meio ambiente como lixeira). Percebido desse ângulo, é evidente que o processo econômico tem que respeitar limites (quer os do fornecimento de recursos, quer os da absorção de dejetos, além dos da própria tecnologia e da ética). Daí, a noção do desenvolvimento sustentável: trata-se de promover a economia (e o bem-estar dos humanos) sem causar estresses que o sistema ecológico não possa assimilar. A. N. Whitehead (1861-1947), filósofo britânico, no seu livro A Função da Razão, indica que o ataque humano ao meio ambiente se desdobra em três etapas: viver, viver bem, e viver melhor. Viver é “obrigação” do ser vivo ao nascer. E o viver deve ser com bem-estar. Viver melhor requer a razão para que se decida qual a fórmula de progresso que convém. É um desafio que só os humanos contemplam. Lamentavelmente, o reducionismo de nossa visão de mundo tem feito com que essa busca haja se convertido na idéia exclusiva do crescimento econômico: aumento do PIB a qualquer custo.
Sucede que a lei básica da natureza é de degenerescência. Diz Whitehead: “Com insidiosa inevitabilidade, ocorre a degradação da energia. As fontes de atividade decaem gradativamente. A sua própria substância se desgasta”. Compete à razão dirigir o ataque ao meio ambiente para “promover a arte da vida”. Não é o que se faz. Ataca-se o meio ambiente sem nenhum cuidado quanto aos custos ambientais (e humanos) que acompanham tal ataque. Sem uso da razão. Daí acumulam-se problemas de todo lado, desde a poluição, à desertificação, à destruição da biodiversidade, ao aquecimento global. São círculos viciosos que se formam com as características de fenômenos de retro-alimentação positiva, ou seja, do tipo bola de neve ou bolhas que inflam até estourar. Esse fato suscita a questão de limites ecológicos à expansão humana. É óbvio que o limite de assimilação de CO2 pela atmosfera foi ultrapassado, com a conseqüente intensificação do efeito estufa de origem antrópica. A realidade que transparece é de desequilíbrios ecológicos que tornarão insustentável a presença humana no planeta. Em outras palavras, estamos numa rota suicida. O desfecho disso foi prognosticado por um sóbrio Celso Furtado em seu livro O Mito do Desenvolvimento Econômico, de 1974: nosso estilo de vida tem um custo de tal ordem, em termos de depredação do mundo físico, que qualquer tentativa de generalizá-lo levará inexoravelmente ao colapso da civilização.
Se hoje enfrentamos uma crise econômica gravíssima, fruto da insanidade do sistema financeiro globalizado, a insuportável carga da economia sobre o ecossistema levará a uma crise ainda pior. Problemas financeiros têm caráter conjuntural. Constituem pulsações que param em algum momento, como resposta a correções de rumo. Já os problemas ecológicos são de ordem bem mais complexa – com raízes profundas. É possível debelar distúrbios financeiros e econômicos com medidas monetárias e fiscais – talvez muito penosas. Já uma intervenção para corrigir perturbações ecológicas pode ser totalmente inócua, se a situação tiver ultrapassado aquilo que os ecólogos chamam de “thresholds” (umbrais). No dia 29.10.2008, o jornal britânico Guardian disse em editorial sobre a mudança climática: “Alguns cientistas estão perto do pânico”. É esse o entendimento dos que vêem na crise ambiental um perigo de crise pior

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