domingo, 13 de dezembro de 2009

Artigo publicado, DP, 13.12.2009

OLINDA MALAS-ARTES EM TODA PARTE

Clóvis Cavalcanti

Economista e pesquisador social

Programa de ótimo nível que torna Olinda mais civilizada – como diz minha amiga Vera Milet, moradora do Alto da Sé – é o “Olinda, Arte em Toda Parte”. Ele acontece nesta época do ano, mostrando o que a cidade tem de atraente (muita coisa) no campo artístico. Andar pelas ruas do sítio histórico torna-se então um prazer renovado. Não neste ano. O programa de 2009 se encerra hoje e, pode-se dizer, foi um fracasso rotundo. Começou com uma cerimônia de abertura sem graça, na qual o prefeito (Renildo Calheiros, que não incorpora a cultura olindense a seu estilo de vida) chegou, fez um discurso burocrático e foi embora – nada parecido com a tradição dos anos de Luciana Santos e animadas festas. A cidade, que está cheia de obras intermináveis, ficou um tumulto de carros ainda maior, impedindo, por exemplo, que a tradicional serenata pelas ruas nas sextas-feiras seguisse sua rotina de praxe. Para tentar organizar o espaço, houve mudanças no trânsito que complicaram a vida de todos. A rua de São Francisco, onde moro e que tem fluxo mínimo de carros, foi convertida em mão única, atrapalhando a vida de inúmeras pessoas. Para eu chegar agora a minha casa é preciso fazer 3km desde a praça do Carmo; antes eram 300 metros! No dia 8 de dezembro, uma pessoa levou 30 minutos procurando percorrer o novo caminho; outra, 15 minutos. Na verdade, é incrível a falta de bom senso com que a mudança foi adotada. Os moradores da são Francisco só têm que subir 400 metros de rua, no máximo, mas isso não lhes é permitido – apesar de a rua estar quase sempre vazia.

Falta de bom senso é hoje um predicado da gestão pública de Olinda. Vejam o que se fez no Memorial Arcoverde, porta de entrada da cidade. Para permitir o espetáculo do Cirque du Soleil, que durou 25 dias, destruíram toda uma área de parque, que foi pavimentada sobre pesados paralelepípedos colados com cimento. O circo foi embora, dizem que pagou uma indenização de 1,4 milhão de reais pela destruição que provocou e o espaço por ele ocupado é hoje, sem nenhum exagero, um deserto. Ultimamente, tem sido usado para estacionamento de ônibus que vão para o Centro de Convenções. Existe prova mais eloqüente de falta de qualquer senso na promoção do bem-estar humano na cidade de Olinda? O prefeito, seus secretários, assessores, etc – tal como o governador do Estado, seus secretários, sua corte de ajudantes –, ninguém, até hoje demonstrou qualquer incômodo com o absurdo do Cirque du Soleil. Pior: várias dessas eminências e boa parte das elites locais ali desfrutaram de um par de horas de animado divertimento. Divertimento cujos benefícios foram todos privados e cujos custos recaem sobre toda a sociedade.

Em plena hora do Arte em Toda Parte, Olinda é presenteada com um presépio descomunal na colina do Carmo no qual se juntam figuras grotescas e fantasmagóricas incompatíveis com o nível da arte que renomados artistas olindenses praticam. Trata-se de um projeto que não passou por discussão pública entre aqueles que estão ligados às tradições da cidade. Simplesmente, montaram um cenário que agride a quinhentista igreja do primeiro convento carmelita das Américas. Presépio é sempre uma coisa delicada. Mesmo nas cidadezinhas e lugarejos do interior, com recursos limitados, as pessoas os fazem com sabor e graça. Olinda realmente não merece o monstrengo que se instalou na entrada do sítio histórico. Para agravar o quadro, uma árvore de natal de plástico “reciclado” de garrafas pet verdes foi armada na praça do Carmo. Outra clara demonstração de falta de senso (talvez justificada apenas pela suposição de que aquilo é ecologicamente correto). Sem dúvida: Olinda malas-artes em toda parte.

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