domingo, 22 de março de 2009

Artigo publicado

Diario de Pernambuco, 22/3/2009
UMA CATÁSTROFE FINANCEIRA?
Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social

No dia 3.10.05, um amigo meu, economista-chefe de gestão de risco no Brasil de importante banco multinacional, escreveu-me e-mail desesperado. Perguntava qual seria “a menor derrocada do sistema [financeiro] inteiro que nos permitirá caminhar novamente e não cair de vez”. E consultava: “Quanto tempo você acha que nós temos?”. Acrescia: “Aqui, do lado do mercado financeiro, não dá para ficar menos assustado ... tudo está dependente da loucura insana dos Estados Unidos ... A falência financeira dos Estados Unidos só poderá ser escamoteada no máximo por uns dois ou três anos”. Concluía: “É de aterrorizar qualquer ser pensante, não é mesmo?”. Casualmente, há poucos dias, encontrei a mensagem, que eu imprimi ao receber. Verifico agora a precisão do cálculo de meu amigo: entre outubro de 2007 e outubro de 2008, os EUA quebraram. Sobre isso, Alan Greenspan, ex-banqueiro central todo-poderoso dos EUA em 1987-2006, escreveu na revista britânica The Economist de 20.12.08: “A intermediação financeira global está quebrada”. Isso aconteceu depois da falência do Lehman Brothers no dia 15.9.08, momento em que a atividade econômica financiada pelo crédito bancário cessou virtualmente de existir. Ao mesmo tempo, um valor de bolsa de 30 trilhões de dólares foi varrido do mapa, sumiu. Só se pode concluir que o caso é de uma catástrofe financeira terrível.
O estrategista financeiro global David M. Smick, em artigo no New York Times de 10.3.09, escreveu: “Não há soluções para a crise dos bancos sem riscos políticos e financeiros extraordinários”. Nos seus cálculos, o verdadeiro valor de mercado dos ativos tóxicos dos bancos americanos (“a coisa horrorosa que precisa ser removida dos balanços”) vale entre 5 e 30 por cento do que custam efetivamente. Para que permaneçam solventes (em condições de pagar seus compromissos), contudo, os bancos falam que é preciso que esse valor seja de 50 a 60 por cento. Ou seja, simplesmente, o sistema bancário estadunidense requer dois trilhões de dólares de socorro do contribuinte, além da montanha de dinheiro que já recebeu. Para não se usar o dinheiro público, a solução seria estatizar agora os bancos (“nationalize”, em inglês; ou, literalmente, “nacionalizar”) para reprivatizá-los mais tarde. Esta saída tem o perigo de se ter que cair na “rede potencialmente letal” dos instrumentos de seguro de papéis (derivativos) chamados “credit default swaps”. Ninguém sabe o que há aí nesse verdadeiro buraco negro. Mexer nele pode desencadear um terremoto financeiro inimaginável. Como pode não acontecer nada. Essa realidade cria um ar de total incerteza. Daí por que o secretário do Tesouro americano, Tim Geithner, está adotando “um approach tríplice”: demorar, demorar, demorar, na esperança de que alguém surja com uma saída confiável – segundo Smick.
Tristemente, os papéis derivativos tornaram-se os senhores do sistema financeiro. Segundo os operadores do mercado, ao desmontar um grande banco – o que teria que ser feito com a estatização – o mercado totalmente não regulado desses títulos ficaria transtornado, “com conseqüências financeiras globais catastróficas”, no dizer de Smick. Ou não, pois, no caso, singram-se mares ignotos, conforme esse conhecedor profundo do mercado. Sua ilação: “Geithner tem razões para morrer de medo”. Ele fez parte da equipe de seu predecessor no Tesouro, a qual subestimou o efeito de contágio devastador do colapso do Lehman Brohers, responsável pela crise nas suas gigantescas proporções atuais. E foi um banco só. Imaginem se fossem vários, como o Citigroup ou Bank of America. Os derivativos financeiros globais, não regulamentados, ascendem a 40 trilhões de dólares (dois terços do PIB do planeta). É para deixar qualquer um assustado. Mas uma tribo da Amazônia, ou mesmo um sertanejo nordestino, em seu pedacinho de terra, não teria nada a temer. Benefício da não-globalização?

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