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Se você não tiver nada a fazer, reflita conosco sobre o nada. Palestra de Clóvis, dia 4 de fevereiro 2010 na Livraria Cultura - Recife
O INEXORÁVEL FIM DO BUCOLISMO
Clóvis Cavalcanti
Economista e pesquisador social
Na edição de 17.1.2010, o DIARIO publicou interessante matéria intitulada “O Fim do Bucolismo de Casa Forte”. O assunto é oportuno e remete à violenta deformação da paisagem recifense por aquilo que a matéria chama de “avanço do concreto”. Mas vale lembrar que, no domingo, 30 de dezembro de 1923, Gilberto Freyre, então com 23 anos, já escrevia aqui no jornal: “precisa o Recife defender-se contra o perigo de virar tristemente um esqueleto de cimento armado”. Ora, se isso se manifestava há quase nove décadas, que se pode dizer do que acontece hoje? Que Gilberto Freyre tinha toda a razão. Não era tanto a transformação da paisagem daquele momento que o assustava, e sim o que vinha no seu rastro. Isso se percebe em texto de Freyre que saiu no DIARIO em 13.11.1924, no qual é ressaltada “a terrível mania” da modernização, entendida então com “europeizar”, mas já rumando, como Freyre mesmo assinalava, para “americanizar“. Deve-se aos Estados Unidos o crescimento vertical das cidades, fenômeno que atinge níveis absurdos em Dubai (uma economia atualmente trôpega). É assustadora a tendência assumida no caso de Casa Forte, porque essa área recifense conservava um perfil ameno, de boa qualidade de vida, além de não possuir desenho urbano para a expansão que hoje se verifica. Sua paisagem agradava ao visitante, servindo de exemplo do que deveria ser nossa urbanização. De modo triste, porém, no bairro, o que se vê é sua graciosa praça, que tinha a igreja matriz ao centro e era cercada por árvores, tornar-se irreconhecível.
O modelo de desenvolvimento aí consubstanciado não tem que ser uma condenação inevitável. Mesmo nos Estados Unidos, os espigões tendem a se concentrar em espaços limitados, realidade ainda mais visível nas cidades da Europa (onde a densidade demográfica é maior). O quadro recifense se agrava pela absoluta mediocridade da arquitetura que concebe suas modernas formas de habitação. Para todo lado que se olha hoje, o cenário é desolador; acabrunha. As lamentáveis torres dos cais de Santa Rita servem bem de ilustração do fenômeno. Quem pára para admirá-las como obras de inteligência superior? No entanto, a arquitetura purista da Visconde de Suassuna é capaz de atrair, assim como o conjunto do Poço da Panela e alguma casa que ainda resta na Boa Vista, nos Aflitos, no Espinheiro, no pátio de São Pedro. Sem falar em monumentos como o casarão da praça João Alfredo, várias igrejas, o mercado de São José, o mercado de Casa Amarela, a sede da Fundação Gilberto Freyre. Edificações como essas é que atraem os olhos do viajante.
É natural que as pessoas reclamem do que está acontecendo. Apesar de ter o privilégio de residir num dos locais de melhores cercanias, do ponto de vista estético, de Olinda, hoje me incomoda a visão à distância (
OBRAS INÚTEIS
Clóvis Cavalcanti
Economista e pesquisador social
No blog Acerto de Contas, que leio de vez em quando, Pierre Lucena, um de seus responsáveis, postou comentário dia 30 de dezembro último sob o título “Os prefeitos do Recife e suas obras inúteis”. A lista dos empreendimentos é encabeçada pelo Parque D. Lindu, do qual a matéria exibe foto aérea que demonstra cabalmente sua inutilidade. Visitei esse (suposto) parque pela primeira vez no dia 20 de dezembro de 2009. Estava em Boa Viagem – coisa rara na minha rotina, devo dizer –, o que me permitiu ir até o D. Lindu (sugestão de minha mulher, Vera). Fiquei espantado com o caráter da iniciativa, implantada em área que era verde e que os moradores da vizinhança próxima desejavam que continuasse assim. A vegetação que resta ali é vaga lembrança da que justificaria parques como o da Jaqueira ou 13 de Maio, no Recife, para não falar da Quinta da Boa Vista, no Rio, do Ibirapuera, em São Paulo, do Farroupilha, em Porto Alegre, do Bosque Rodrigues Alves, em Belém do Pará. O D. Lindu tem uma quantidade absurda de cimento armado, implantada com a grife de Oscar Niemeyer, cuja fama, sem dúvida, não está relacionada a projetos desse naipe. Não sou crítico de urbanismo nem de arquitetura, mas é óbvio que um projeto pode agradar ou não pelo seu desenho à pessoa que o contempla. No caso do parque de Boa Viagem, o conjunto é medíocre – e nisso se inclui o monumento a D. Lindu e filhos (custa a crer que seja uma obra do grande Abelardo da Hora). Pelo vulto dos recursos despejados na polêmica iniciativa do ex-prefeito João Paulo, era para que algo melhor fosse oferecido por ela aos recifenses. E que estivesse concluída – até porque faz mais de um ano de sua inauguração. Do parque pode-se dizer: obra inútil; injustificada como gasto público em um regime democrático.
Born in 1940, Clóvis Cavalcanti is a Brazilian ecological economist living in Olinda and working in the Recife area, Brazil. He is also an organic farmer since 1976, and an environmentalist. He taught ecological economics at the Federal University of Pernambuco and retired as an Emeritus Researcher from the Institute for Social Research, the Joaquim Nabuco Foundation. He was visiting professor at various universities including Vanderbilt (USA), La Trobe (Australia), Cuenca (Ecuador), Oxford (Britain), and the University of Illinois at Urbana-Champaign (USA). He has been a member of the scientific council of the Institute of Integral Medicine of Pernambuco (Recife) and of the Consultative Council of the Celso Furtado International Center for Development Policies in Rio. He is a founding member of the International Society for Ecological Economics (ISEE) and its present President for 2018-2019. He is also a founder and honorary president of ECOECO (the Brazilian Society for Ecological Economics). He has had assignments in the board of directors of ANPPAS, the Brazilian Association of Research and Graduate Studies on the Environment and Society, and in the board of CLACSO, the Latin American Social Sciences Council (Buenos Aires). He has pioneered work on patterns of sustainability in the Americas, comparing the US and Amerindian lifestyles. He has written and published regularly since the late 1960s in peer-reviewed journals. He is the author, co-author or editor of 12 books, including The Environment, Sustainable Development and Public Policies: Building Sustainability in Brazil (2000). He introduced the concept of ethnoeconomics during his visiting professorship at Oxford in 2000, publishing a paper on the subject in Current Sociology, Jan. 2002. He has done work on the role of traditional ecological knowledge in development, and on environmental governance. He collaborated in the preparation of Angola’s 2005-2025 development strategy, introducing a proposal (adopted) for a wealth fund based on oil royalties for use in perpetuity. He has written on alternative development paths and their policy requirements since the mid-1980s. In 2012-2013, he did work in Bhutan’s International Expert Working Group which contributed to a report submitted by the Bhutanese government to the UN. In December 1968 he gave a speech in Recife at a graduation ceremony under the title “Economics and human happiness: a quasi-philosophical essay”.