ATAQUE INSANO AOS PATRIMÔNIOS HISTÓRICO E NATURAL
Clóvis Cavalcanti
Economista e pesquisador social
Aqueles que acompanham os problemas do meio ambiente em Pernambuco, por exemplo, sofreram duro golpe na última terça-feira. Nesse dia foi aprovado pela Assembléia Legislativa o projeto de lei do governador Eduardo Campos mandando destruir 1.046 ha (10,5 km2) de áreas preservadas nas proximidades do porto de Suape para a expansão de atividades industriais. Faz-se isso, desculpem o trocadilho, com a maior naturalidade. Ninguém pensa em biodiversidade, na riqueza inigualável da Mata Atlântica e dos mangues atingidos pela decisão dos deputados, nos serviços ecológicos que a natureza nos presta. Ninguém pensa nas centenas de pessoas cuja vida se tornou um inferno com a invasão do território em que antes viviam sem sobressaltos. Pior é que esse afã depredador tem cinco séculos de prática ininterrupta. Trata-se, com certeza, de um sinal insuperável do atraso secular de nosso perfil como sociedade. A história do processo violento é bem contada no magistral livro Nordeste, de Gilberto Freyre (sempre ele), de 1937. Chamando o monocultor de “ladrão de terras” – expressão cunhada pelo agrônomo americano H.H. Bennett –, ele conclui que os espaços devastados das florestas da Zona da Mata eram “perturbados pelo homem da maneira mais terrível”. O modelo continua em plena voga, sob a batuta de um capitalismo cuja selvageria se oculta no timbre do “socialismo” do governo pernambucano.
Se estarrece a constatação da forma com que se derruba uma admirável casa-grande de engenho – como acentuou o Diario, em seu editorial de 27.4.10 –, com muito mais horror deve-se olhar para o tratamento que se dá aqui aos bens insubstituíveis da natureza. Uma casa se reconstrói. Já uma espécie extinta não se repõe. Nem se consegue refazer uma paisagem singular. Imagine-se o que restaria da terraplanagem do Alto da Sé, em Olinda; ou da explosão com dinamite dos recifes de Porto de Galinhas e, no Rio de Janeiro, do morro do Pão de Açúcar. Disse o Diario no editorial de 27 de abril: “nenhuma cultura se sustenta sem a seiva do fundamento histórico, sem o testemunho desse fundamento, que faz os povos andarem com segurança”. Afirmação correta, que precisa penetrar no juízo dos gestores do patrimônio cultural e histórico. Mas o que dizer dos serviços e bens do meio ambiente? Quem pode viver sem eles? Alfred North Whitedead (1861-1947), grande filósofo britânico, enfatiza que viver representa um “ataque” inevitável ao meio ambiente. Faz-se isso ao respirar, comer, beber, construir abrigo. A questão, segundo Whitedead, é que o ataque deve ser dirigido pela razão, pela inteligência. Não insanamente, como em Pernambuco (e no Brasil).
Um comentário:
Professor Clóvis,
Parabéns pelo Blog. Agora temos uma oportunidade de leitura de seus artigos, sempre inteligentes. Um grande alerta sobre a degradação que causamos ao nosso planeta. Quando puder visite o nosso Blog da Caatinga: http://www.comitecaatingape.blogspot.com
Abraço.
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