domingo, 30 de maio de 2010

artigo publicado DP, 30.5.2010

DIA MUNDIAL DA ECOLOGIA – COMEMORAR O QUÊ?

Clóvis Cavalcanti

Economista ecológico e pesquisador social

A cada ano, multiplicam-se as comemorações pela passagem (a 5 de junho) do Dia Mundial da Ecologia e do Meio Ambiente. Nada mais justo. Porém, a realidade do que os seres humanos fazem, em boa parte do planeta – o Brasil nesse rol – é a completa negação de uma atitude de celebração do bem inigualável da natureza. Veja-se o que está acontecendo no Golfo do México desde 20 de abril: desastre ecológico monumental provocado pelo desejo voraz e insaciável de se extrair petróleo das entranhas da Terra. Não pára de jorrar ali, de um poço a 1.600 m de profundidade, uma quantidade diária de petróleo que se calcula entre um e quatro milhões de litros (a cifra menor é da empresa responsável pelo acidente, a BP ou British Petroleum). Algo como 160 milhões de litros desse combustível pode já ter se espalhado no mar, contaminando e destruindo vida pelo futuro afora. E mais ainda ameaça jorrar. Que reações isso tem provocado no mundo inteiro? Poucas. Não é interesse de ninguém deixar que o petróleo se desmoralize como recurso moderno. O forte lobby petrolífero age para que a publicidade sobre o episódio seja a menor possível. Muitas análises tentam desviar a atenção para os esforços que estão sendo feitos para neutralizar o problema. Esforços enormes e cuidadosos, mas infrutíferos até agora. O certo é que a ecologia sofreu golpe duríssimo no Golfo do México e isso deveria servir de forte alerta para o ufanismo tolo que cerca o Pré-Sal brasileiro. Por mais que se confie na tecnologia, a verdade é que ela não impede eventos como esse.

Para verificar o vazio do discurso ecologista das autoridades brasileiras basta olhar nossa trajetória de descaso e violência contra o meio ambiente no país. A ocupação desordenada de encostas que levou aos graves desastres do Rio de Janeiro e Niterói em abril passado evidencia muito bem isso. Aqui em Pernambuco, é ilustrativa a situação deplorável de uma área pública de lazer – cujo meio ambiente se consolidava aos poucos –, o Parque Memorial Arcoverde, em Olinda, cedido para uma farra circense do Canadá (o Cirque du Soleil). Prefeitura de Olinda e governo do Estado, sem nenhum pejo, entregaram um espaço considerável para que o circo nele se aboletasse. Com que finalidade? Proporcionar divertimento para parcela da elite local durante 25 dias. Isso acabou no começo de agosto de 2009. O pedaço comido do parque, hoje, é um deserto urbano. Cerca de 30 árvores tiveram que ser cortadas para dar lugar ao circo. Ficaram alguns coqueiros e árvores menores em terreno coberto de pedra, cimento e asfalto. Resultado: vários desses coqueiros e árvores perderam totalmente o viço e hoje são espectros secos, testemunhas do descaso das autoridades do Estado. Essas mesmas autoridades costumam fazer eloqüentes declarações no Dia do Meio Ambiente, declarações desmentidas pelas ações destruidoras que cometem ou deixam que se cometam (caso de Suape).

Tal panorama tem longa história, como bem documentou José Augusto de Pádua, da UFRJ, em excelente livro, Um Sopro de Destruição (de 2002). Como também narrou Gilberto Freyre, em 1937, naquele que é seu livro que mais me encanta – Nordeste. E como, fora outros autores, deixou patente o brasilianista Warren Dean, em A Ferro e Fogo (a edição brasileira é de 1996). Sobre isso, tenho uma experiência esclarecedora. Meu primo mais velho, Walter Peixoto, arquiteto que mora em Cuiabá, dirigiu-me a seguinte pergunta ano passado: “Clóvis, por que sou tão antiecológico?” Acrescentou: “A floresta tem que ser derrubada mesmo para ceder lugar a atividades que dão emprego, fazem as pessoas ficar mais ricas, aumentam o PIB”. Agradeci-lhe a honestidade (que, infelizmente, falta nos que, no Brasil, destroem dizendo que são a favor da proteção ambiental). E expliquei que, como nota Paulo Prado (1869-1943) (Retrato do Brasil, de 1928), a sociedade brasileira é assim: antiecológica. Triste!


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