Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social
O Brasil é um país antiecológico? Como professor universitário da disciplina Meio Ambiente e Sociedade, como membro da Sociedade Internacional de Economia Ecológica, como pesquisador do desenvolvimento sustentável, e agricultor orgânico há 33 anos na minha propriedade, Fazenda do Tao (em Gravatá), não posso deixar de dizer sim à pergunta. De fato, a forma como o meio ambiente é entendido e usado no Brasil corrobora minha constatação. Ao invés de considerá-lo como fonte derradeira e insubstituível de vida, como efetivamente é, a sociedade brasileira – de suas elites e dirigentes às pessoas comuns – só o percebe como fonte inesgotável de recursos para máxima exploração. Paulo Prado, em Retrato do Brasil (1931), diagnostica o problema, atribuindo o espírito antiecológico nacional às origens do país, com seu afã de “cobiça insaciável, na loucura do enriquecimento rápido”. Sérgio Buarque, em Raizes do Brasil (1935), fala da personalidade antiecológica brasileira, caracterizada, segundo ele, pela ânsia de prosperidade a todo custo na “busca oca de títulos honoríficos, de posições e riqueza fáceis”. Em Nordeste (1937), belo livro de reflexão, Gilberto Freyre – primeiro cientista social brasileiro a empregar o “critério ecológico” na análise sociológica, o que faz nessa obra – confirma a percepção de Prado e Sérgio Buarque. Um dado atual a reafirma. Com efeito, do total da Mata Atlântica original, equivalente a 15% do território brasileiro, resta apenas uma fração de 7 por cento. Sem que, a despeito disso, se pare a insana destruição do inigualável bioma da floresta litorânea.
O espírito irresponsável dominante levou a que, agora mesmo, no Parque Memorial Arcoverde – único parque público de Olinda – se permitisse a instalação temporária de um espetáculo, o famoso Cirque du Soleil, à custa da destruição permanente de espaços de uso coletivo e vegetação crescida ao longo de vinte anos. Quem deixou que isso acontecesse? O governo do Estado, a prefeitura de Olinda, os omissos meios de comunicação do estado, a elite que vai assistir aos espetáculos (caríssimos), elite satisfeita com o interesse estreito de ver agora o que não aparece com freqüência aqui. Igual espírito irresponsável, sem compromisso algum com a saúde dos ecossistemas regionais, delira de prazer com a construção de uma refinaria de petróleo em Pernambuco, como se isso fosse a coisa mais inofensiva do mundo. Ora, o aquecimento global – demonstrado cabalmente pela ONU como fenômeno antropogênico – impõe que se reduza no mundo a emissão de CO2, gás que a queima do petróleo libera abundantemente (cada tonelada de combustível gera 3,2 t de dióxido de carbono). Como é que se justifica hoje um projeto que contribui para mais queima desse gás, como o de Suape? Não faz sentido, em um mundo inteligente, a expressão maravilhada da sociedade pernambucana diante da Refinaria Abreu e Lima – salvo por uma visão antiecologista que a permeie.
A visão, certamente, não é peculiar a Pernambuco. Trata-se de um traço nacional. Prova disso é o terrível fato de que a admirável legislação brasileira de proteção ambiental encontra-se atualmente sob ameaça de revogação. Ações no Congresso Nacional, tomadas sob a égide de um grupo que representa não mais que mil proprietários rurais, têm como principal objetivo aprovar novo Código Ambiental, revogando leis como a que criou a Política Nacional do Meio Ambiente, ou partes de leis como a de Crimes Ambientais e da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, entre outros dispositivos. Quer dizer: trata-se de quebrar a espinha dorsal da proteção ambiental no Brasil. A justificativa é chocante, conforme relata a íntegra e admirável Senadora Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente: tudo teria começado quando se quis implementar a legislação ambiental vigente, com restrições ao crédito para infratores, fiscalização de ilícitos em tempo real e medidas inesperadas para conter o desmatamento proibido. Diz a senadora: “Enquanto ninguém estava cobrando, tudo bem. Foi o que ouvi, acreditem: com as tentativas de aplicação da lei, ‘ficou impossível’, e daí veio a avaliação de que tudo teria que mudar”. Mudar a lei para facilitar a destruição. A sociedade, o que faz? Omite-se. É ou não prova do antiecologismo – e do atraso – brasileiro?
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