Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social
Em janeiro de 1995, recebi convite tentador: assumir a direção do Museu Goeldi (MPEG), em Belém do Pará. Nele eu havia sido membro do Conselho Técnico-Científico durante seis anos. Era familiarizado com o que fazia. Não aceitei. Achava que o encargo deveria ser de pessoa de dentro do Museu, a segunda mais antiga instituição brasileira de pesquisa. Para o lugar apoiei o nome de Adélia Rodrigues, arqueóloga paulista que trabalhava no MPEG. Ela terminou sendo nomeada. Conto essa história porque a mim muito estranhou que o então ministro Cristovam Buarque, da Educação, tivesse escolhido o ex-ministro Fernando Lyra para presidente da Fundação Joaquim Nabuco (FJN) em janeiro de 2003. Cristovam, que foi meu aluno em 1967, anunciou no mesmo dia de sua decisão que a tomara por três motivos: (1) o indicado era ex-ministro: tinha visibilidade; (2) era uma pessoa do diálogo; (3) era seu amigo. Além disso, Fernando Freyre estava há mais de três décadas na direção da FJN. Precisava sair. Perguntou qual era minha reação em face do escolhido. Respondi: “De surpresa”. Ele garantiu: “Lyra ficará por seis meses, para que presida à mudança no sistema de nomeação do presidente”. Instituiria um sistema de eleições, semelhante ao das universidades federais. E comentou: “Você não acha que seis meses é tempo suficiente?” Concordei. Não foi.
Perto de sua posse na presidência da FJN, Fernando Lyra, de quem eu não tinha aproximação, me chamou (via Tânia Bacelar) para uma conversa. Queria que eu ajudasse a aplainar o caminho de sua posse, diante da encrespação (justa) de Fernando Freyre por conta de declaração lamentável – que ele disse a mim que não fizera – de que iria acabar com o “entulho autoritário” na Fundação (fora indagado por jornalistas como se justificava sua escolha para o cargo, em face de sua total falta de familiaridade com a FJN). O ex-ministro era a favor de um entendimento com o outro Fernando. Na ocasião ele me contou que não queria ser presidente do órgão, que só aceitara isso depois de muita insistência (ao longo de uma semana) de Cristovam – que, diga-se de passagem, foi amigo de meninice de Fernando Freyre. Lyra foi enfático: a FJN não era sua “praia”; ele só sabia fazer política, não gostava de ler, e só lera um livro em toda sua vida. Repetiu isso no dia 18.2.03, quando teve reunião com os pesquisadores da FJN. Aliás, deve-se ressaltar sua contundente franqueza, causadora de estupefação, como não poderia deixar de ser, entre pessoas que lêem muito, gostam disso e, ainda por cima, escrevem livros e artigos.
A Fundação Nabuco, que ainda se apresenta como instituição de pesquisa, não poderia, assim, ter tido pior destino do ponto de vista de sua missão original, saída da reflexão amadurecida de Gilberto Freyre em 1949. Basta dizer que ela é a única organização de seu gênero, no Brasil, cujo dirigente não é uma pessoa da área e cuja escolha decorreu de decisão política (mostrando, temos que reconhecer, um equívoco de proporções calamitosas de uma pessoa do calibre de Cristovam Buarque, a quem, ainda nos anos do regime militar, a FJN deu merecidas atenções acadêmicas). Em qualquer entidade científica brasileira, hoje, a escolha do diretor segue processo em que um “comitê de busca” sai atrás da pessoa mais qualificada. É assim no MPEG, no Inpa, no LNCC, no Inpe, na Fiocruz, no CBPF. Pode-se até dizer que, por ser do MEC, o caso da FJN é diferente. Mas aqui valeria o modelo das universidades. O ex-ministro Lyra tem uma história de luta contra a ditadura que não é questionada. Porém, a FJN não é sua “praia”. Isso tem desfigurado a instituição sexagenária que a lucidez do homem de livros Gilberto Freyre criou.
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