domingo, 12 de julho de 2009

Artigo publicado no Diario de Pernambuco em 12.7.2009

ADAPTAÇÃO AO REVÉS
Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social

Sabemos como é sufocante o meio ambiente de nossas cidades. Não há muito que se contemplar nelas em matéria de verde. Em Pernambuco há poucas áreas urbanas onde a população pode relaxar, sentada na relva ou à beira de um lago. Várias cidades do país, porém, oferecem uma riqueza de parques. É o caso de Brasília, com seu grande Parque da Cidade. Ou mesmo Garanhuns com o Pau Pombo e o Euclides Dourado. Porto Alegre proporciona o Farroupilha, enorme; Belém do Pará tem o Bosque (Rodrigues Alves), cheio de vegetação amazônica. O Recife e Olinda não se sobressaem neste aspecto, apesar de algumas áreas verdes relevantes (como Dois Irmãos e o Horto Del Rei, na primeira e na segunda, respectivamente). Olinda possui também o Memorial Arcoverde. Mas este é um espaço inacabado que tem tomado forma aos poucos, sem uma diretriz que diga o que ele vai ser. No começo, pensava-se em usar o terreno, de uns 15 hectares, para a construção de prédios, idéia burra logo abandonada. A população já tinha dado destino ao local. Nele fizera-se um campo de futebol de tamanho oficial. Perto do viaduto, uma cancha para o jogo de malha foi implantada informalmente e ali, nos fins de semana, realizavam-se animadas disputas. No governo Joaquim Francisco (1991-1995) acabou-se com o grande campo de futebol, criando-se dois menores e duas quadras de tênis. O campo de malha foi eliminado. Mais tarde, surgiu o útil Espaço Ciência, afora outras atrações.
Aos poucos, portanto, o Memorial Arcoverde assumiu função significativa, servindo sobretudo à população de baixa renda que o beira a oeste. Sei bem disso, porque vou lá de vez em quando nas minhas corridas matinais, sem contar que passo por ali, de carro, diariamente. Ora, é nesse contexto que parece um desastre a transformação feita neste momento no núcleo do parque para abrigar o Cirque du Soleil. No momento em que o governo pernambucano se expõe com a marca do socialismo e a prefeitura de Olinda ostenta (há mais de oito anos) a sigla do PCdoB (Partido Comunista do Brasil), soa com um tom de incrível ironia a privatização feita do bem público que é o parque para uma finalidade incompatível com o destino de uma área como aquela. Destruíram-se árvores, vegetação, dois campos de futebol, as quadras de tênis – um patrimônio que era fator de beneficio para bom número de pessoas. Segundo uma autoridade estadual irritada com pergunta de jornalista sobre os campos de futebol sacrificados, aquilo era só “poça de lama”. Sim, os campos ficavam empoçados quando chovia, mas nunca deixou de haver jogo lá, com os atletas de chuteiras e uniformes. Para estes, a poça de lama era uma cancha. A opinião da autoridade bem mostra o desprezo pelos humildes daqueles que podem jogar em campos de futebol-society.
Mais triste ainda é constatar aqui a insensibilidade dos promotores do Cirque du Soleil, que fazem alarde em Montreal (Canadá), de onde vêm, de credenciais eco-amistosas. Se fosse um circo pernambucano que quisesse se apresentar em Montreal, jamais lhe seria permitido fazê-lo em qualquer um dos vinte grandes parques da agradável cidade canadense. Ali, o Parc Mont-Royal, seu mais famoso, possui uma área de 200 hectares – mais de dez vezes o tamanho do Memorial Arcoverde. Ninguém, nele, se atreve a arrancar uma folha sequer. Não só porque isso não se faz em áreas comuns de país desenvolvido, como porque os parques de Montreal primam pela qualidade. As autoridades daqui, quando vão a países como o Canadá, sabem comportar-se de forma civilizada (à custa de muito esforço, talvez). Não jogam papel nem cospem no chão. Parece que uma adaptação reversa (aos maus costumes locais) faz parte da cultura do Cirque du Soleil. Suas credenciais eco-amistosas sumiram. Pena!

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