domingo, 11 de julho de 2010

Artigo publicado DP, 11 jul 2010

DESASTRES AMBIENTAIS E IGNORÂNCIA ECOLÓGICA

Clóvis Cavalcanti

Economista ecológico e pesquisador social

Desastres ambientais (previsíveis) têm acontecido com freqüência cada vez maior. Seus impactos humanos, por sua vez, tendem a assumir dimensões inusitadas. E as pessoas reagem como se tudo fosse manifestação cega da ira dos elementos. De fato, eventos como inundações violentas se repetem. A questão é que estão ocorrendo de forma incomum, em termos do que a população habituou-se a experimentar. Quase ninguém imaginava, por exemplo, que um cataclismo como o de Pernambuco e Alagoas, há três semanas, assumisse as proporções que teve. Mas ambientalistas e pesquisadores têm alertado há tempo para duas coisas que se combinam perigosamente. Uma: a mudança climática, fenômeno causado – com pouca dúvida neste particular – por ações humanas ligadas ao uso insustentável da natureza. A outra coisa são os modos de ocupação de terras, desprezando-se cuidados como o da preservação de matas ciliares e da vegetação em geral. Quando se imagina que é preciso expandir a economia, as autoridades são as primeiras a dar o mau exemplo, partindo para a destruição de ambientes conservados, de que é ilustração apropriada o corte de mangues, mata e vegetação de restinga que o governo de Pernambuco efetua em Suape neste momento, para levar adiante seu “espetáculo do crescimento”. Esse mesmo governo corre, ironicamente, para aliviar o terrível sofrimento das vítimas das inundações em várias cidades do estado (como Palmares). Como se nada tivesse com sua manifestação.

É costume acusar ambientalistas e pesquisadores da ecologia de arautos de desastres que não acontecerão. O padrão dessa acusação vem de longe. Na época em que o cigarro se mostrava como produto inocente, por exemplo, quem denunciasse perigos a ele relacionados era tido como desinformado. Sobre isso, os historiadores da ciência Naomi Oreskes e Erick Conway (americanos) escreveram interessante livro, saído há pouco: Merchants of Doubt (Mercadores da Dúvida, com o subtítulo “Como um punhado de cientistas obscureceu a verdade em questões do fumo de cigarros e do aquecimento global”). Na obra, mostra-se que, em 1953, os fabricantes de cigarro contrataram uma firma de relações públicas para levantar dúvidas sobre os primeiros resultados de pesquisas que revelavam os perigos do fumo. Oreskes e Conway ainda expõem dados que indicam comportamento semelhante na época atual. As mesmas táticas vergonhosas têm sido adaptadas para sabotar debates relacionados com temas do meio ambiente. O que se quer é fazer crer que não existem os riscos ecológicos e as ameaças de que hoje falam os ambientalistas.

Vale a pena lembrar que, há poucos dias, o jornal britânico The Sunday Times teve de pedir desculpas públicas a um cientista depois de distorcer suas opiniões e publicar reportagem que contribuiu para pôr em dúvida a ciência da mudança climática e a integridade do IPCC, o painel do clima da ONU. O jornal acusava o IPCC de ter retirado informação de um relatório da ONG WWF, não de um artigo da literatura científica. Esse mesmo comportamento marcou a tentativa (inútil) de desmascarar as verdades científicas expostas por Rachel Carlson (1907-1964) no primeiro grande trabalho a denunciar os perigos dos agrotóxicos, Silent Spring (Primavera silenciosa), de 1962. Rachel Carlson foi ameaçada, processada, coagida. Mas resistiu (não sua saúde; ela morreu de câncer dois anos depois de o livro sair). A sociedade precisa prestar mais atenção àquilo que os estudos da ecologia formulam. Está em jogo o bem-estar e a vida de milhões de pessoas sem proteção em nosso meio (como os flagelados de Palmares).

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