segunda-feira, 31 de maio de 2010
Crias, crianças na Fazenda do Tao
Cauê e Vovô Clóvis
Olhar cumplice de pai e filho para a pitanga suculenta
Olhares de bebês sob proteção dos pais
Já era uma suculenta pitanga
Abraço efusivo de Miguel com Tiê
domingo, 30 de maio de 2010
artigo publicado DP, 30.5.2010
DIA MUNDIAL DA ECOLOGIA – COMEMORAR O QUÊ?
Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social
A cada ano, multiplicam-se as comemorações pela passagem (a 5 de junho) do Dia Mundial da Ecologia e do Meio Ambiente. Nada mais justo. Porém, a realidade do que os seres humanos fazem, em boa parte do planeta – o Brasil nesse rol – é a completa negação de uma atitude de celebração do bem inigualável da natureza. Veja-se o que está acontecendo no Golfo do México desde 20 de abril: desastre ecológico monumental provocado pelo desejo voraz e insaciável de se extrair petróleo das entranhas da Terra. Não pára de jorrar ali, de um poço a 1.600 m de profundidade, uma quantidade diária de petróleo que se calcula entre um e quatro milhões de litros (a cifra menor é da empresa responsável pelo acidente, a BP ou British Petroleum). Algo como 160 milhões de litros desse combustível pode já ter se espalhado no mar, contaminando e destruindo vida pelo futuro afora. E mais ainda ameaça jorrar. Que reações isso tem provocado no mundo inteiro? Poucas. Não é interesse de ninguém deixar que o petróleo se desmoralize como recurso moderno. O forte lobby petrolífero age para que a publicidade sobre o episódio seja a menor possível. Muitas análises tentam desviar a atenção para os esforços que estão sendo feitos para neutralizar o problema. Esforços enormes e cuidadosos, mas infrutíferos até agora. O certo é que a ecologia sofreu golpe duríssimo no Golfo do México e isso deveria servir de forte alerta para o ufanismo tolo que cerca o Pré-Sal brasileiro. Por mais que se confie na tecnologia, a verdade é que ela não impede eventos como esse.
Para verificar o vazio do discurso ecologista das autoridades brasileiras basta olhar nossa trajetória de descaso e violência contra o meio ambiente no país. A ocupação desordenada de encostas que levou aos graves desastres do Rio de Janeiro e Niterói em abril passado evidencia muito bem isso. Aqui em Pernambuco, é ilustrativa a situação deplorável de uma área pública de lazer – cujo meio ambiente se consolidava aos poucos –, o Parque Memorial Arcoverde, em Olinda, cedido para uma farra circense do Canadá (o Cirque du Soleil). Prefeitura de Olinda e governo do Estado, sem nenhum pejo, entregaram um espaço considerável para que o circo nele se aboletasse. Com que finalidade? Proporcionar divertimento para parcela da elite local durante 25 dias. Isso acabou no começo de agosto de 2009. O pedaço comido do parque, hoje, é um deserto urbano. Cerca de 30 árvores tiveram que ser cortadas para dar lugar ao circo. Ficaram alguns coqueiros e árvores menores em terreno coberto de pedra, cimento e asfalto. Resultado: vários desses coqueiros e árvores perderam totalmente o viço e hoje são espectros secos, testemunhas do descaso das autoridades do Estado. Essas mesmas autoridades costumam fazer eloqüentes declarações no Dia do Meio Ambiente, declarações desmentidas pelas ações destruidoras que cometem ou deixam que se cometam (caso de Suape).
Tal panorama tem longa história, como bem documentou José Augusto de Pádua, da UFRJ, em excelente livro, Um Sopro de Destruição (de 2002). Como também narrou Gilberto Freyre, em 1937, naquele que é seu livro que mais me encanta – Nordeste. E como, fora outros autores, deixou patente o brasilianista Warren Dean, em A Ferro e Fogo (a edição brasileira é de 1996). Sobre isso, tenho uma experiência esclarecedora. Meu primo mais velho, Walter Peixoto, arquiteto que mora em Cuiabá, dirigiu-me a seguinte pergunta ano passado: “Clóvis, por que sou tão antiecológico?” Acrescentou: “A floresta tem que ser derrubada mesmo para ceder lugar a atividades que dão emprego, fazem as pessoas ficar mais ricas, aumentam o PIB”. Agradeci-lhe a honestidade (que, infelizmente, falta nos que, no Brasil, destroem dizendo que são a favor da proteção ambiental). E expliquei que, como nota Paulo Prado (1869-1943) (Retrato do Brasil, de 1928), a sociedade brasileira é assim: antiecológica. Triste!
quarta-feira, 26 de maio de 2010
Rotina matinal
domingo, 16 de maio de 2010
artigo publicado DP, dom. 16.5.2010
Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social
É comum a publicação de notícias sobre indígenas brasileiros que os retratam como classe parasita ou de invasores das terras que ocupam. Até parece que, em 1500, quem estava aqui há 10.000 anos eram europeus e seus descendentes. Qualquer iniciativa de garantir aos índios, territórios para suas nações é tomada como afronta aos direitos dos brasileiros. Foi assim, por exemplo, no caso da demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, com respeito à qual a corte suprema do país reconheceu a precedência da população nativa, de milhares de indivíduos que ali vive há cem séculos (contra quem se batia um grupo de algumas dezenas de pessoas, há menos de meio século na região). Geralmente, os índios são mostrados como seres preguiçosos, oportunistas, a serviço da cobiça internacional. É um estereótipo que volta de instante em instante – e que convence muita gente de que essa é a realidade.
Há duas semanas, grande revista de circulação nacional tratou do assunto, incriminando a classe dos antropólogos brasileiros e falando de uma “Antropologia oportunista”. É que os antropólogos trabalham estreitamente com populações indígenas – e não só no Brasil, mas em toda a parte em que há povos nativos, tribais, não-letrados, pré-modernos. Diante do que a revista em questão publicou, a Comissão de Assuntos Indígenas (CAI), da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), através de seu coordenador, o respeitado antropólogo João Pacheco de Oliveira (do Museu Nacional), divulgou enérgica nota de repúdio, com esclarecimentos. Explicando o papel dos antropólogos na questão, a nota salienta que “Dados quantitativos inteiramente equivocados e fantasiosos ... conjugam-se à sistemática deformação da atuação dos antropólogos em processos administrativos e jurídicos relativos à definição de terras indígenas”. Por outro lado, “A imagem que a reportagem tenta criar da política indigenista como uma verdadeira terra de ninguém, ao sabor do arbítrio e das negociatas, é um absurdo completo e tem apenas por finalidade deslegitimar o direito de coletividades anteriormente subaltenizadas e marginalizadas”. Do mesmo modo, “A maneira insultuosa com que são referidas diversas lideranças indígenas e quilombolas, bem como truncadas as suas declarações, também surpreende e causa revolta. Sub-títulos como ‘os novos canibais’, ‘macumbeiros de cocar’, ‘teatrinho na praia’, ‘made in Paraguai’, ‘os carambolas’, explicitam o desprezo e o preconceito com que foram tratadas tais pessoas”.
O uso de linguagem acusatória para desqualificar o trabalho sério dos antropólogos, conforme diz a nota, serve-se “extensamente da chacota, da difamação e do desrespeito”. Por detrás do ataque, o objetivo último seria “enfraquecer os direitos indígenas (em disputas concretas com interesses privados)”. É aqui que faz sentido que “os alvos centrais destes ataques [sejam] os antropólogos, os líderes indígenas e os seus aliados”. Não há dúvida de que tratar os povos nativos brasileiros com desprezo representa uma forma de racismo. Ninguém se conforma que os primitivos habitantes do Brasil contem com um mínimo de privilégios como donos originários da terra. E donos zelosos. Como diz o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro: “As áreas indígenas da Amazônia são as áreas menos desmatadas, são elas que detêm a devastação nas fronteiras do país; e elas são peça essencial no processo de regularização ou estabilização jurídica da situação fundiária caótica que é a Amazônia, o paraíso da grilagem, da pistolagem, do tráfico de drogas, do contrabando e do subsídio. A Amazônia tem hoje cerca de 20% de seu território desmatado — nas áreas indígenas, é menos de 1%”. Por isso, defender os direitos dos povos originários do Brasil é combater o racismo anti-nativos. É ser pelo Brasil como patrimônio que os índios nos legaram.
segunda-feira, 3 de maio de 2010
Artigo publicado no DP, dom. 2.5.2010
ATAQUE INSANO AOS PATRIMÔNIOS HISTÓRICO E NATURAL
Clóvis Cavalcanti
Economista e pesquisador social
Aqueles que acompanham os problemas do meio ambiente em Pernambuco, por exemplo, sofreram duro golpe na última terça-feira. Nesse dia foi aprovado pela Assembléia Legislativa o projeto de lei do governador Eduardo Campos mandando destruir 1.046 ha (10,5 km2) de áreas preservadas nas proximidades do porto de Suape para a expansão de atividades industriais. Faz-se isso, desculpem o trocadilho, com a maior naturalidade. Ninguém pensa em biodiversidade, na riqueza inigualável da Mata Atlântica e dos mangues atingidos pela decisão dos deputados, nos serviços ecológicos que a natureza nos presta. Ninguém pensa nas centenas de pessoas cuja vida se tornou um inferno com a invasão do território em que antes viviam sem sobressaltos. Pior é que esse afã depredador tem cinco séculos de prática ininterrupta. Trata-se, com certeza, de um sinal insuperável do atraso secular de nosso perfil como sociedade. A história do processo violento é bem contada no magistral livro Nordeste, de Gilberto Freyre (sempre ele), de 1937. Chamando o monocultor de “ladrão de terras” – expressão cunhada pelo agrônomo americano H.H. Bennett –, ele conclui que os espaços devastados das florestas da Zona da Mata eram “perturbados pelo homem da maneira mais terrível”. O modelo continua em plena voga, sob a batuta de um capitalismo cuja selvageria se oculta no timbre do “socialismo” do governo pernambucano.
Se estarrece a constatação da forma com que se derruba uma admirável casa-grande de engenho – como acentuou o Diario, em seu editorial de 27.4.10 –, com muito mais horror deve-se olhar para o tratamento que se dá aqui aos bens insubstituíveis da natureza. Uma casa se reconstrói. Já uma espécie extinta não se repõe. Nem se consegue refazer uma paisagem singular. Imagine-se o que restaria da terraplanagem do Alto da Sé, em Olinda; ou da explosão com dinamite dos recifes de Porto de Galinhas e, no Rio de Janeiro, do morro do Pão de Açúcar. Disse o Diario no editorial de 27 de abril: “nenhuma cultura se sustenta sem a seiva do fundamento histórico, sem o testemunho desse fundamento, que faz os povos andarem com segurança”. Afirmação correta, que precisa penetrar no juízo dos gestores do patrimônio cultural e histórico. Mas o que dizer dos serviços e bens do meio ambiente? Quem pode viver sem eles? Alfred North Whitedead (1861-1947), grande filósofo britânico, enfatiza que viver representa um “ataque” inevitável ao meio ambiente. Faz-se isso ao respirar, comer, beber, construir abrigo. A questão, segundo Whitedead, é que o ataque deve ser dirigido pela razão, pela inteligência. Não insanamente, como em Pernambuco (e no Brasil).