domingo, 18 de abril de 2010

Artigo publicado no DP, dom. 18 abr. 2010

CRESCIMENTO PELO CRESCIMENTO

Clóvis Cavalcanti

Economista e pesquisador social


Pernambuco atravessa fase de aceleração do crescimento econômico a todo custo. Quer-se que sua economia aumente, exploda, não importa com que danos ambientais e humanos. Na verdade, esse desejo não é de agora, nem exclusivo do estado. Trata-se de equivocada concepção do desenvolvimento (reduzido que foi a simples crescimento), a qual surge nos anos cinqüenta, consolida-se na década seguinte e se converte em crença ou fundamentalismo universal bastante difícil de contestar ou combater. Argumentos racionais, ponderações sensatas, sugestões de alternativas – tudo se trata como manifestações arcaicas, saudosistas ou pré-modernas. O resultado é uma fachada espetacular de expansão da economia que oculta situações de enorme sofrimento da população, ao lado de destruição sistemática do capital da natureza. Exemplo disso é o que ocorre agora na região em volta de Suape. Não satisfeitos com toda a depredação do meio ambiente que ali acontece, sem trégua, desde o regime militar (anos 70), os atuais dirigentes de Pernambuco simplesmente pretendem reduzir a pó 1.076 hectares de mangues, restos da Mata Atlântica e vegetação de restinga que ainda se vêem na região (onde muito já foi destruído). Sobre a pretensão do governo, objeto de projeto de lei enviado pelo governador Eduardo Campos à Assembléia Legislativa, realizou-se uma audiência pública no Palácio Joaquim Nabuco no dia 13 do corrente, em que ficou clara a posição de parcela consciente da população pernambucana – abraçada pela brava deputada estadual Ceça Ribeiro –, visceralmente contrária ao projeto.

Olhando o mapa do plano diretor da área, onde se indica o destino das diferentes porções do território, fiquei espantado com a lógica estapafúrdia dos planejadores. Zona de mangue vira de interesse para a indústria; zona de cana de açúcar passa a ser de “proteção ambiental”. Ou seja, vai-se destruir o que está conservado e conservar-se o que está destruído! Essa curiosa lógica pós-aristotélica acabou com um pedaço de Pernambuco de excepcional qualidade cênica, sem contar que se tratava de pólo para sustentação da rica vida marinha que ali fervilhava. Pronunciando-se a respeito no blog “Ciência e Meio Ambiente”, o prof. Ralf Schwamborn, da UFPE, estudioso da dinâmica dos manguezais e a teia trófica (cadeia alimentar) desses ecossistemas, afirmou: “Não conheço [no Brasil] projeto de lei com uma destruição de manguezais nas proporções que observamos em Suape. Acho [isso] totalmente absurdo. Trata-se de um modelo de desenvolvimento econômico antiquado, do século 19: destruição permanente dos recursos renováveis com a perspectiva do lucro imediato. Não sei como alguém pode propor uma lei dessas”.

A sensação que acode à sociedade perplexa é essa: como se pode perseguir uma visão de mundo tão estreita, pobre e arcaica sob a justificativa de que isso vai promover desenvolvimento (melhoria de vida). Pode, sim, promover um crescimento momentâneo, como acontece hoje: crescer por crescer, sem raízes duradouras. Enquanto isso, não só ecossistemas de rica biodiversidade (mangues, a Mata Atlântica) sofrem depredação irrecuperável, como grupos sociais importantes são sacrificados para a expansão da economia do lucro monetário. É o caso, para ilustrar, na área de Suape, da comunidade da ilha de Tatuoca, que está sofrendo um processo de destruição inominável no presente momento. Tenho acompanhado a situação através de um bolsista da Fundação Nabuco, estudante de ciências sociais na UFRPE, Marcos Miliano. Há cinco meses, ele passa três dias por semana no local. Dorme lá em barraca de camping. Suas observações, devidamente orientadas – trata-se de trabalho de conclusão do curso –, não deixam margem a dúvidas: pessoas humildes, de um grupo há 280 anos no lugar, estão sendo brutalmente expulsas de seu ambiente natural. Os empreendimentos dali causam alterações “que degradam e engolem um meio de vida histórico, tradicional e sustentável” dessas pessoas. Modelo melancólico de promoção da economia.

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