segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Artigo publicado - DP, 20 set. 2009

NOVIDADE ALVISSAREIRA NA POLÍTICA NACIONAL

Clóvis Cavalcanti

Economista e pesquisador social

Quem assistiu à entrevista da senadora Marina Silva no programa de Jô Soares, da Rede Globo, há três semanas, pôde ter uma idéia da personalidade e experiência dessa notável mulher. Falando com naturalidade, segurança e visão profunda das coisas, em português correto, ficou patente que a senadora acreana possui qualificações para ser apresentada como candidata a presidente da República em 2010. Mais que tudo, diante do cansaço nacional com os rumos da política brasileira, o nome de Marina Silva, limpo e confiável, surge com força poderosa. Embora seja natural que se possa fazer alguma restrição à senadora, como no caso de sua concordância com a divisão do Ibama e da transposição do São Francisco, o fato é que ela passa imagem de pessoa confiável. Na entrevista que deu, foi clara, por exemplo, quanto às influências que recebeu em sua formação política: teologia da libertação, Chico Mendes, Clodovis Boff, PT, movimento dos seringueiros. Tendo sido alfabetizada aos 16 anos, conseguiu por seu esforço e capacidade, aos 19, entrar na universidade. Nesse período, trocou a vida fácil do convento em que estudava, com possibilidade de ficar três anos em formação no Rio de Janeiro, para sobreviver por si própria colaborando na luta dos seringueiros. Para tanto, foi empregada doméstica e contou com a compreensão de patrões altruístas. Doente de hepatite aos 13 anos, foi tratada com remédio para malária, tóxico, o qual agravou sua condição. Mais tarde, contraiu leishmaniose. Como o pai não podia comprar o melhor remédio de que precisava para combate ao mal, tomou um substituto mais barato, à base de antimônio. Dele resultaram seqüelas penosas de que sofre nos tempos atuais.

Mais interessante, porém, é a posição esclarecida, lúcida, articulada, da senadora com relação aos problemas que ela, de modo preciso, identifica como “sócio-ambientais”. Conhecendo de experiência própria o que isso significa, e havendo estudado as questões relevantes sobre o tema, Marina Silva possui uma prática política de defesa do meio ambiente. Sua vida inteira é uma luta pela causa que cada vez mais se mostra como o maior desafio da época atual. Infelizmente, no Brasil, os políticos de todos os matizes – do PT ao DEM, do PSDB ao PMDB –, com exceções raríssimas, defendem um pensamento único, “crescimentista”, que teve seu apogeu a partir dos anos 1950. Esse pensamento alimenta projetos como o chinês e foi a mola mestra da economia americana até a eleição de Obama. Continua sendo, porém, a ideologia brasileira por excelência, inclusive projetado de maneira irretorquível na prioridade máxima do governo Lula, o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento. Sobre isso, Marina propõe sujeitar desenvolvimento a meio ambiente e meio ambiente a desenvolvimento.

O que a senadora, que fez uma opção corajosa e conseqüente ao sair do PT para filiar-se à sigla nanica do Partido Verde (PV), tem em mente é algo totalmente necessário nos tempos atuais: uma mudança de paradigma para se considerar o sistema ecológico como restrição aos planos da economia. Ela fala disso, ao combater a prevalência da ordem econômica sobre as condições de bem-estar humano e uso sustentável da natureza A mesma prevalência vigorava no governo do presidente Fernando Henrique. Disso tem consciência o ex-ministro Gustavo Krause, do Meio Ambiente, que encontrei em Olinda, em dezembro de 2002, no dia em que o nome de Marina foi indicado pelo presidente-eleito (Lula) para o cargo que fora seu. Disse-me Gustavo: “Achei arretado”. E teceu elogios à senadora. De sã consciência, esse é o sentimento de quem vê na ex-ministra aquilo que ela significa – uma novidade alvissareira na política nacional.

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