domingo, 28 de junho de 2009

Publicado no Diario de Pernambuco - 28.6.2009

LAMENTÁVEL DEGRADAÇÃO NO MEMORIAL ARCOVERDE
Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social

Em todo lugar do mundo, parques urbanos são conservados para que prestem bons serviços. Na verdade, a cidade, como ecossistema artificial, não dá possibilidades como as que a natureza oferece para bem-estar humano. Sem contar que, com o verde, os parques contribuem para uma função importantíssima do meio ambiente: retirar carbono da atmosfera. Daí que, quanto mais ampla a oferta nas cidades de áreas arborizadas e propícias ao contato indispensável com a natureza, tanto mais qualidade de vida para todos. Diante dessa constatação, parece absurda a destruição que se processa neste momento no parque Memorial Arcoverde, em Olinda, para facilitar a vida de uma empresa, o Cirque du Soleil, que ali terá passagem efêmera em julho deste ano.
Não se está negando que o Cirque du Soleil ofereça espetáculo ímpar, de merecida fama. Acontece que tal empreendimento tem como proposta, cuidados ambientais que não justificam o que se faz hoje no Memorial Arcoverde. Ele precisa de um lugar para se apresentar na Região Metropolitana do Recife. Só que, para tanto, escolheu-se um local que não tem como finalidade ser sítio de eventos. Pior: para o Cirque du Soleil caber ali, inexistindo espaço adequado, decidiu-se, com aprovação oficial das autoridades competentes, que toda uma área teria que ser adaptada às “necessidades” do negócio. E aí nela se procede a uma limpeza radical. Onde havia dois campos de futebol, constrói-se agora um pátio cimentado, derrubando-se árvores e toda vegetação que antes existia no redor. O processo é de desertificação. Algumas árvores poupadas da derrubada insensata ficaram cercadas de cimento por todos os lados, à exceção do buraco deixado para seu tronco. Não há outra palavra para qualificar o procedimento da instalação do Cirque du Soleil em Olinda: crime contra a ecologia.
Em Montreal (Canadá), de onde o circo procede com seu modelo original e amplamente admirado, jamais se permitiria crime como esse. O próprio Cirque du Soleil não teria coragem – se lhe passasse pela cabeça tamanha ofensa à cidadania – de levar a cabo em sua cidade de origem a agressão que se vê em Olinda. A população de Montreal – cidade paradigma mundial de qualidade de vida –, certamente, impediria que qualquer milímetro de seus belos parques (e são muitos mais do que em Olinda ou no Recife) fosse sacrificado para o Cirque du Soleil. Ou para qualquer outra finalidade. Aqui, porém, o grupo canadense, sem qualquer pudor, não só deixa que se destrua o patrimônio urbano para atender a seus interesses, como cobra valores inconcebíveis para aqueles que desejarem assistir a suas exibições. Com efeito, os ingressos para elas em Olinda, em espaço do povo – de quem, pois, o grupo recebe um subsídio –, vão de 250 a 500 reais. Não faz nenhum sentido que se permita absurdo desse naipe, ainda mais num território cercado de população de renda totalmente incompatível com o preço dos ingressos do Cirque du Soleil. Que essa organização queira ganhar dinheiro é algo compreensível no capitalismo. O que é inaceitável é deixar que o poder público subsidie o empreendimento ao custo da destruição ambiental. Sem dúvida nenhuma, é isso que está acontecendo em Olinda, com o beneplácito da prefeitura e do governo do Estado. Fez-se consulta à população interessada para saber o que ela pensa? Quem autorizou a destruição que está acontecendo no Memorial Arcoverde? Vale lembrar que esse parque só possui a vegetação que tem porque, quando começou sua implantação, a sociedade civil impediu que se destruísse o manguezal que ele ostenta. Vem agora o governo e permite agressão inominável ao patrimônio que ali existe. Lamentável decisão.

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