domingo, 5 de abril de 2009

Artigo Publicado

Diario de Pernambuco, 5 abril de 2009

A OCUPAÇÃO DO LITORAL PERNAMBUCANO
Clóvis Cavalcanti
Economista e pesquisador social

Logo após a eleição de Miguel Arraes, em 1986, fui a uma conversa com ele no escritório onde se montava o plano de governo. Ficava na av. Rui Barbosa, perto da ponte da Torre. Nessa ocasião, sugeri que a casa do governador, em Porto de Galinhas, fosse transformada, com seu imenso terreno, em um parque para os banhistas de baixa renda que freqüentavam o local. Sugeri também outras coisas relativas a cuidados ambientais que o poder público deveria assumir em Pernambuco. Uma delas era não construir uma refinaria de petróleo em Suape. Minhas idéias, claro, não prosperaram, nem eu imaginava que pudessem prosperar. Apenas quis dar meu recado. Levei um documento escrito e disse a dr. Arraes: “Leia mesmo”. Ele riu e comentou que lia muito. Dias depois, o Diario noticiou que eu estava cotado para ser secretário de Planejamento do governo estadual (não era verdade). Como alguém com posição tão pouco ortodoxa, desagradando governo e oposição, poderia assumir tal cargo? É assim que vejo com tristeza o estado lamentável da ocupação predatória do litoral pernambucano. Enquanto muita gente fala numa hipotética cobiça internacional pela Amazônia, o fato concreto é que nossa costa sofre uma invasão de estrangeiros sem precedentes desde o período holandês – e não se levanta uma palavra de advertência a respeito. Na verdade, esse é um processo que se estende ao Nordeste todo. Em Natal, outdoors anunciam negócios imobiliários com valores em euros. A praia de Pipa converteu-se em paraíso de investidores de múltiplas nacionalidades. Tudo bem. Estamos numa economia de mercado, onde prevalece a iniciativa privada. Mas aqui a selvageria impera. A esse respeito, uma passeata de cidadãos pernambucanos vai realizar-se no dia 12 de abril (Domingo de Páscoa) na praia de Maracaípe, onde são impressionantes os problemas recentes ali surgidos. Como é sabido, o governo de Pernambuco (Eduardo Campos recebeu isso como herança) tem patrocinado negócios no litoral sul do estado (no que ainda restava de preservado aí) para grandes grupos empresariais portugueses e espanhóis. A casa do governador foi vendida para estrangeiros. Terras, desde a praia do Paiva, passando por Maracaípe, até uma área de 500 hectares em Barreiros, a qual será transformada em gigante “eco-resort”, estão nas mãos de gringos. Uma estudante minha, do curso de ciências ambientais na UFPE, assistiu, faz algum tempo, a uma palestra do biólogo que assessorava a construção da via de Porto de Galinhas a Maracaípe. Segundo ele garantiu, nem um centímetro sequer de manguezal seria desmatado para a obra. Uma visita ao local mostra, porém, enorme destruição de esplêndida área de mangue, num lugar famoso por seus cavalos-marinhos, além de responsável por várias espécies marinhas de grande valor econômico. Em Pernambuco, para atender às demandas econômicas, cada vez menos manguezais sobrevivem. Ora, esses ecossistemas são berçários naturais de inúmeras espécies do mar, inclusive tubarões. Um elo entre a destruição de manguezais e os ataques de tubarão a norte de Suape já tem sido estabelecido em pesquisas, e não é acidental. Quando comecei a ir à praia de Muro Alto – então completamente desconhecida (era 1972; hoje não vou mais) –, vi tubarões passando perto da água onde mergulhava com minha família. Pescadores da região (raros), que apareciam por ali, informavam que os predadores que víamos eram inofensivos. Mas é porque estavam bem alimentados, suponho. Hoje, quem perceber um tubarão por perto, ali ou em outra parte do litoral de Pernambuco, passará pelo maior sufoco. Esse é só um sinal dos desequilíbrios que a cupidez desvairada que impulsiona os atores econômicos no estado – públicos e privados, nacionais e forâneos – está causando. Têm razão os membros da cidadania que protestarão em Maracaípe no dia 12 deste abril.

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