domingo, 19 de abril de 2009
Artigo publicado - DP, 19/4/2009
Crescimento sem rumo
Clóvis Cavalcanti // Economista
Sobre meu artigo de duas semanas atrás aqui no Diario, falando da desordenada ocupação do litoral pernambucano (e nordestino), recebi diversas mensagens. Uma delas, da leitora paulistana Lia Rafael dos Santos. Contando que decidiu vir morar no Recife em 2004, mas que frequenta as praias pernambucanas desde 1988, ela se diz indignada com a falta de sensibilidade do poder público diante da destruição que presencia no estado, a começar da capital. Segundo ela, Pernambuco está "matando a sua galinha dos ovos de ouro". Cita a respeito: "A orla de Boa Viagem vem sendo transformada em uma grande muralha de edifícios de tamanho e mau gosto descomunais. De imediato, privatiza-se a vista do mar e o período de sol na areia". Como não comungar do mesmo sentimento? Da calçada da minha casa em Olinda, no sítio histórico - local que considero como o de vista das mais bonitas na Região Metropolitana do Recife -, por exemplo, sou obrigado a ver agora as feias pontas das duas torres construídas com o beneplácito da administração do prefeito João Paulo no cais de Santa Rita. É uma visão que representa, de fato, a privatização do bem público que é a paisagem. Aliás, por denunciar essa obra em 2005, terminei sendo processado pela construtora, que considerou ofensiva uma expressão por mim usada no artigo que instruiu o processo contra mim. Na verdade, a empresa fez o que lhe cumpria: procurar uma forma de ter lucro. Competia ao poder constituído decidir se isso era certo ou não. Achou que era correto. Terminei vitorioso na ação movida contra mim. Fui absolvido por unanimidade no egrégio Tribunal de Justiça de Pernambuco. Meus bons advogados - Carlos Gil Rodrigues e Fred Guilherme de Lima - convenceram os desembargadores de que eu agira em defesa do interesse público.Essa é também a perspectiva daqueles que, como a escritora, minha amiga Nelly Carvalho, têm protestado bravamente contra o corte brutal de árvores no terreno da Academia Pernambucana de Letras. Não encontrosentido para ação desse quilate. A justifica de que a iniciativa era para disciplinar o crescimento das árvores revela enorme ignorância ecológica. Outra explicação poderia até fazer sentido. Quem é que já viu planta obedecer a disciplina imposta pela espécie humana? Pensar assim só faz replicar a presunção herdada do cientificismo, do racionalismo, do antropocentrismo - de que o homem é senhor e dominador da natureza. A árvore cresce conforme sua necessidade de luz solar e de outros nutrientes de sua vitalidade. Mesmo a poda não é um procedimento ecologicamente saudável. A árvore sofre. Sua forma vai mudar para que ela maximize sua absorção de energia do sol. Cortar árvores, por outro lado, em uma cidade de clima tropical como o Recife, demonstra igualmente nível de ignorância ambiental lastimável. Disso deu conta Gilberto Freyre na década de vinte do século passado em artigos nesta página do Diario. Em um de seus escritos, de 1926, o inigualável pensador pernambucano falava do contraste entre a sanha dos destruidores de árvores daqui e os cuidados que observou em Oxford (Inglaterra) quando lá passou uma temporada. Freyre menciona os belos arvoredos oxfordianos. De suas inspiradas considerações me lembrei várias vezes quando, em 2000, no trimestre que passei na notável universidade britânica como professor visitante, percorria tais belos arvoredos. Por que será que não aprendemos a lição de zelar pela herança de beleza natural e histórica que recebemos de nossos maiores? Nosso crescimento se mostra efetivamente como um processo à deriva, sem rumo. Triste.
Clóvis Cavalcanti // Economista
Sobre meu artigo de duas semanas atrás aqui no Diario, falando da desordenada ocupação do litoral pernambucano (e nordestino), recebi diversas mensagens. Uma delas, da leitora paulistana Lia Rafael dos Santos. Contando que decidiu vir morar no Recife em 2004, mas que frequenta as praias pernambucanas desde 1988, ela se diz indignada com a falta de sensibilidade do poder público diante da destruição que presencia no estado, a começar da capital. Segundo ela, Pernambuco está "matando a sua galinha dos ovos de ouro". Cita a respeito: "A orla de Boa Viagem vem sendo transformada em uma grande muralha de edifícios de tamanho e mau gosto descomunais. De imediato, privatiza-se a vista do mar e o período de sol na areia". Como não comungar do mesmo sentimento? Da calçada da minha casa em Olinda, no sítio histórico - local que considero como o de vista das mais bonitas na Região Metropolitana do Recife -, por exemplo, sou obrigado a ver agora as feias pontas das duas torres construídas com o beneplácito da administração do prefeito João Paulo no cais de Santa Rita. É uma visão que representa, de fato, a privatização do bem público que é a paisagem. Aliás, por denunciar essa obra em 2005, terminei sendo processado pela construtora, que considerou ofensiva uma expressão por mim usada no artigo que instruiu o processo contra mim. Na verdade, a empresa fez o que lhe cumpria: procurar uma forma de ter lucro. Competia ao poder constituído decidir se isso era certo ou não. Achou que era correto. Terminei vitorioso na ação movida contra mim. Fui absolvido por unanimidade no egrégio Tribunal de Justiça de Pernambuco. Meus bons advogados - Carlos Gil Rodrigues e Fred Guilherme de Lima - convenceram os desembargadores de que eu agira em defesa do interesse público.Essa é também a perspectiva daqueles que, como a escritora, minha amiga Nelly Carvalho, têm protestado bravamente contra o corte brutal de árvores no terreno da Academia Pernambucana de Letras. Não encontrosentido para ação desse quilate. A justifica de que a iniciativa era para disciplinar o crescimento das árvores revela enorme ignorância ecológica. Outra explicação poderia até fazer sentido. Quem é que já viu planta obedecer a disciplina imposta pela espécie humana? Pensar assim só faz replicar a presunção herdada do cientificismo, do racionalismo, do antropocentrismo - de que o homem é senhor e dominador da natureza. A árvore cresce conforme sua necessidade de luz solar e de outros nutrientes de sua vitalidade. Mesmo a poda não é um procedimento ecologicamente saudável. A árvore sofre. Sua forma vai mudar para que ela maximize sua absorção de energia do sol. Cortar árvores, por outro lado, em uma cidade de clima tropical como o Recife, demonstra igualmente nível de ignorância ambiental lastimável. Disso deu conta Gilberto Freyre na década de vinte do século passado em artigos nesta página do Diario. Em um de seus escritos, de 1926, o inigualável pensador pernambucano falava do contraste entre a sanha dos destruidores de árvores daqui e os cuidados que observou em Oxford (Inglaterra) quando lá passou uma temporada. Freyre menciona os belos arvoredos oxfordianos. De suas inspiradas considerações me lembrei várias vezes quando, em 2000, no trimestre que passei na notável universidade britânica como professor visitante, percorria tais belos arvoredos. Por que será que não aprendemos a lição de zelar pela herança de beleza natural e histórica que recebemos de nossos maiores? Nosso crescimento se mostra efetivamente como um processo à deriva, sem rumo. Triste.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário