domingo, 8 de março de 2009

Diário de Pernambuco, 8 mar 2009

ACABOU A GLOBALIZAÇÃO
Clóvis Cavalcanti
Economista e pesquisador social

Em agosto de 2002, no artigo intitulado “O Brasil não vai quebrar”, escrevi nesta página: “não existem razões profundas para que, de uma hora para outra, o Brasil perca sua enorme capacidade de produção agrícola, industrial, comercial, de serviços (inclusive em atividades de ponta). Afinal, grande parte da base de nossa economia se deve à atuação de organizações como o BNDES, um banco que é maior em capacidade de empréstimos que o Banco Inter-Americano de Desenvolvimento (BID). Países soberanos podem agir em seu interesse contrariando os de financistas insaciáveis em sua ganância. Casos recentes de êxito nesse campo são o da Malásia, em 1997, e Rússia, em 1998. Nenhum deles obedeceu ao que queria impor o capital financeiro – e não se deram mal ... O Brasil tem economia maior e mais diversificada que Rússia e Malásia; ainda é um peso importante no mundo; e possui endividamento relativamente baixo. Precisa só dizer quais são suas prioridades, impô-las e colher os frutos de uma conduta soberana. Não irá quebrar nunca”.
O raciocínio continua valendo. No entanto, a economia brasileira, hoje, está mais envolvida com a globalização do que em 2002. Não está mais ainda porque sempre houve esforços dentro do país para que se desconfiasse do discurso globalizante. É graças a esses esforços – muitas vezes apontados como uma visão retrógrada –, contudo, que a situação brasileira constitui exceção no panorama desolador da economia mundial de agora. No mundo inteiro, de fato, o que se observa é uma “desglobalização”, fenômeno que foi anunciado e batizado pelo economista filipino Walden Bello no seu interessante livro (editora Zed Books, de Londres) de 2002, Deglobalisation: Ideas for a New World Economy. Em 1994, o economista americano Herman Daly, em discurso ao deixar o Banco Mundial para se dedicar à vida universitária, já havia previsto que, numa década, mais ou menos, o discurso da globalização mudaria radicalmente de tom. É o que se verifica neste momento, pouco mais de dez anos após a previsão de Daly. Como acentuou a revista britânica The Economist, que é ferrenha defensora do mundo globalizado, em seu número de 21 de fevereiro deste ano, “a economia está voltando as costas ao mundo”. Segundo a publicação, que identifica o processo como integração global do movimento de bens, capital e empregos, todos esses movimentos estão agora imersos em graves problemas. Pior é “o fracasso da globalização em proporcionar muitos dos benefícios de que se dizia portadora, especialmente para os pobres”.
Falando dos Bric’s (Brasil, Rússia, China e Índia), The Economist mostra como a situação do Brasil e da Índia é muito mais favorável do que a da China (a Rússia, dependente de forma excessiva do petróleo, é caso à parte). A razão: na China, as exportações representam 37% do PIB (grande dependência), enquanto na Índia elas são 15% e, no Brasil, 17%. A título de comparação, uma economia totalmente escancarada como a de Singapura exporta 168% do PIB. Lá, a economia teve uma queda de 17% nos último trimestre de 2008; em Taiwan, onde as exportações correspondem a 60% do PIB, a queda foi de 11%. A Índia está tendo um crescimento em torno de 7% ao ano, a China, de 6,8% e o Brasil, por volta de 2%. Os países da Europa que mais se integraram à globalização (caso de Irlanda, Lituânia, Letônia, Estônia, Hungria, Grécia, etc.) são os que mais sofrem atualmente, inclusive com turbulências sociais graves. As reações que ora se vêem foram antecipadas pelos céticos da globalização e constantemente expostas em diversas oportunidades, inclusive no Fórum Social Mundial, realizado de forma concomitante, cada ano, ao triunfalista (não mais) Fórum Econômico de Davos. O Brasil faz bem em cuidar de si antes de se abrir ingenuamente para o mundo.

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