domingo, 13 de junho de 2010
Artigo publicado DP, 13.6.2010
LEMBRANDO SIMON MITCHELL
Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social
No dia 26 de março último, perdi grande amigo – Simon Mitchell, antropólogo inglês nascido em 1937. Através dele é que fiquei conhecendo Porto de Galinhas. Essa praia era completamente ignota no ano em que ele foi morar lá, 1965. Simon viera com a mulher, Fanny (economista), para a pesquisa de campo do doutorado em antropologia que fazia na London School of Economics. Tinha bolsa do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais (IJNPS) que, naquela época, podia fazer isso. A partir de novembro de 1965 o casal se mudou para Porto de Galinhas, um vilarejo de 123 casas, com população de cerca de 700 pessoas vivendo em torno da pesca. Sítio ideal para trabalho etnográfico. No local Simon morou até junho de 1967. Na sua chegada, a primeira providência foi dotar a casinha (era só o que havia ali), alugada, de um mínimo de infra-estrutura. Num lugar sem luz elétrica e água encanada, um britânico que se graduara em Oxford (a mulher também, filha de professores de lá) precisava de, pelo menos, um banheiro decente. Foi o que ele construiu, além de pequena reforma no imóvel. Na primeira vez que foi ao sanitário, porém, Fanny jogou papel higiênico na privada, como se faz na Europa, criando um problema de imediato. A descarga não fez descer o que devia, sendo preciso refazer o sistema. Mas isso não atrapalhou o laço afetivo que o casal criou com uma Porto de Galinhas que parecia idílica.
Conheci-a nessa ocasião. Os veranistas que lá iam ocupavam meia dúzia de casas, todas sem eletricidade. As noites eram momentos de extrema satisfação para ver estrelas, tomar banho de mar e admirar pontos cintilantes na água (quando estávamos dentro dela) que mostravam o vigor biodiverso da área: as luzinhas eram do plâncton, primeiro elo da cadeia alimentar marinha, hoje difícil de encontrar no mesmo local. Gilberto Freyre e o antropólogo Roberto Motta conheceram Porto de Galinhas pouco antes de mim. Colheram impressão muito positiva. Não era fácil o acesso de carro ao vilarejo. Tínhamos que seguir uma estrada de areia com risco de atoleiro em alguns pontos. No entanto, havia uma abundância incrível de frutas na região – cajus de várias cores, formas e tamanhos; mangas de extrema doçura, carnudas; mangaba, cajá, jambo, sapoti, maçaranduba; uma variedade vegetal admirável. Sem contar os peixes capturados por uma população trabalhadora que parecia feliz. Estive em Porto inúmeras vezes, admirando seus manguezais, tomando banho de mar, comendo peixadas ótimas. A luz elétrica, salvo pela cerveja, não fazia falta. Pelo contrário, tornava as noites mais envolventes. Quando tudo isso ficou ameaçado e quase desapareceu, em virtude dos novos usos dados ao lugar (sem nenhum cuidado quanto ao equilíbrio ambiental), afastei-me de Porto de Galinhas.
Vejo-a, desde 1995, apenas de avião, quando passo por lá em minhas viagens aéreas. A mesma sensação de mal-estar me ocorre quando sobrevôo Suape, Muro Alto, todo o litoral pernambucano. Como é possível deixar que uma riqueza incalculável como essa que herdamos de milhões de anos de evolução da natureza e de eras geológicas de desenvolvimento do ambiente físico se desfaça num piscar de olhos – para sempre, de forma irreversível? Contra o que as idéias relativas ao complexo portuário industrial de Suape estavam promovendo protestei em 1973. Foi através da revista mensal pernambucana Confidencial Econômico NE, número de outubro daquele ano. Em 1975, redigi um manifesto, depois subscrito pelos ilustres membros da ciência pernambucana Vasconcelos Sobrinho, Nelson Chaves, José Antônio Gonsalves de Mello, Renato Carneiro Campos, Renato S. Duarte e Roberto M. Martins. Nesse longo documento, publicado pelo Diario em 6.4.1975, era feita uma crítica do que as obras anunciadas iriam promover em termos de destruição socioambiental. O que se denunciou então aconteceu. O que o governo dizia que ia acontecer, não. Faz pena ver agora o cenário que meu amigo Simon Mitchell me levou a conhecer há 45 anos.
Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social
No dia 26 de março último, perdi grande amigo – Simon Mitchell, antropólogo inglês nascido em 1937. Através dele é que fiquei conhecendo Porto de Galinhas. Essa praia era completamente ignota no ano em que ele foi morar lá, 1965. Simon viera com a mulher, Fanny (economista), para a pesquisa de campo do doutorado em antropologia que fazia na London School of Economics. Tinha bolsa do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais (IJNPS) que, naquela época, podia fazer isso. A partir de novembro de 1965 o casal se mudou para Porto de Galinhas, um vilarejo de 123 casas, com população de cerca de 700 pessoas vivendo em torno da pesca. Sítio ideal para trabalho etnográfico. No local Simon morou até junho de 1967. Na sua chegada, a primeira providência foi dotar a casinha (era só o que havia ali), alugada, de um mínimo de infra-estrutura. Num lugar sem luz elétrica e água encanada, um britânico que se graduara em Oxford (a mulher também, filha de professores de lá) precisava de, pelo menos, um banheiro decente. Foi o que ele construiu, além de pequena reforma no imóvel. Na primeira vez que foi ao sanitário, porém, Fanny jogou papel higiênico na privada, como se faz na Europa, criando um problema de imediato. A descarga não fez descer o que devia, sendo preciso refazer o sistema. Mas isso não atrapalhou o laço afetivo que o casal criou com uma Porto de Galinhas que parecia idílica.
Conheci-a nessa ocasião. Os veranistas que lá iam ocupavam meia dúzia de casas, todas sem eletricidade. As noites eram momentos de extrema satisfação para ver estrelas, tomar banho de mar e admirar pontos cintilantes na água (quando estávamos dentro dela) que mostravam o vigor biodiverso da área: as luzinhas eram do plâncton, primeiro elo da cadeia alimentar marinha, hoje difícil de encontrar no mesmo local. Gilberto Freyre e o antropólogo Roberto Motta conheceram Porto de Galinhas pouco antes de mim. Colheram impressão muito positiva. Não era fácil o acesso de carro ao vilarejo. Tínhamos que seguir uma estrada de areia com risco de atoleiro em alguns pontos. No entanto, havia uma abundância incrível de frutas na região – cajus de várias cores, formas e tamanhos; mangas de extrema doçura, carnudas; mangaba, cajá, jambo, sapoti, maçaranduba; uma variedade vegetal admirável. Sem contar os peixes capturados por uma população trabalhadora que parecia feliz. Estive em Porto inúmeras vezes, admirando seus manguezais, tomando banho de mar, comendo peixadas ótimas. A luz elétrica, salvo pela cerveja, não fazia falta. Pelo contrário, tornava as noites mais envolventes. Quando tudo isso ficou ameaçado e quase desapareceu, em virtude dos novos usos dados ao lugar (sem nenhum cuidado quanto ao equilíbrio ambiental), afastei-me de Porto de Galinhas.
Vejo-a, desde 1995, apenas de avião, quando passo por lá em minhas viagens aéreas. A mesma sensação de mal-estar me ocorre quando sobrevôo Suape, Muro Alto, todo o litoral pernambucano. Como é possível deixar que uma riqueza incalculável como essa que herdamos de milhões de anos de evolução da natureza e de eras geológicas de desenvolvimento do ambiente físico se desfaça num piscar de olhos – para sempre, de forma irreversível? Contra o que as idéias relativas ao complexo portuário industrial de Suape estavam promovendo protestei em 1973. Foi através da revista mensal pernambucana Confidencial Econômico NE, número de outubro daquele ano. Em 1975, redigi um manifesto, depois subscrito pelos ilustres membros da ciência pernambucana Vasconcelos Sobrinho, Nelson Chaves, José Antônio Gonsalves de Mello, Renato Carneiro Campos, Renato S. Duarte e Roberto M. Martins. Nesse longo documento, publicado pelo Diario em 6.4.1975, era feita uma crítica do que as obras anunciadas iriam promover em termos de destruição socioambiental. O que se denunciou então aconteceu. O que o governo dizia que ia acontecer, não. Faz pena ver agora o cenário que meu amigo Simon Mitchell me levou a conhecer há 45 anos.
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