domingo, 7 de março de 2010

Artigo publicado DP, 7 mar 2010

SUAPE, TAMARINEIRA E OUTRAS DESGRAÇAS
Clóvis Cavalcanti
Economista e pesquisador social

A Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2010 adotou tema de enorme significado: “Economia e Vida”. E tem como lema um ensinamento básico de Jesus: “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6, 24c). Na versão completa da Bíblia de Jerusalém, o que Mateus (6, 24) escreveu foi: “Ninguém pode servir a dois senhores. Com efeito, ou odiará um e amará o outro, ou se apegará ao primeiro e desprezará o segundo. Não podeis servir a Deus e ao Dinheiro”. É óbvio o sentido do ensinamento. Existe hoje um conflito entre o interesse econômico predominante (o dinheiro) e todas as manifestações do plano da vida (a ecologia, as inúmeras espécies, a humana). Nessa peleja, o dinheiro é sempre vencedor. A sociedade se deixou magnetizar pelo crescimento econômico a todo custo (expresso em maiores valores monetários do PIB). No Nordeste, vastas áreas de manguezais foram destruídas para a construção irregular de viveiros de camarão. Depois de muitas denúncias de pescadores, ambientalistas e pesquisadores, inclusive da Fundação Joaquim Nabuco, esses viveiros continuaram funcionando e, mais grave, muitos outros foram construídos de forma irregular. O que se observa é deplorável ilustração de um desenvolvimento desordenado, de efeitos destrutivos sérios (muitos deles humanos) inteiramente ignorados. Ao mesmo tempo, apenas as virtudes dos projetos são decantadas e louvadas de todas as maneiras, até mesmo, ou sobretudo, em propaganda oficial.
Exemplo da vitória lastimável do dinheiro é o desfecho atual do caso da bela área do hospital da Tamarineira, no Recife. O espaço seria motivo de orgulho para qualquer lugar civilizado do planeta – como Tóquio, que consegue ser a maior cidade do mundo com impressionante patrimônio verde. Aqui, não. Com a Igreja à frente – quem? Dom José Cardoso, de triste memória; dom Fernando Saburido, de boas expectativas? Não interessa –, entrega-se facilmente o sítio admirável para sua transformação em lamentável (até no nome) shopping center. Não conheço ninguém a favor dessa doidice (deve haver). Diz-se que vão preservar 70% da área. Nossa tradição não condiz com o cumprimento da promessa. Veja-se, por exemplo, o que aconteceu no parque Memorial Arcoverde, em Olinda, com o beneplácito do governo estadual, socialista, e da prefeitura do município, “comunista do Brasil”. Ali passou um divertimento de ricaços e novos ricos – o Cirque du Soleil – durante 25 dias. Acabou em agosto de 2009. No rescaldo, ficou uma destruição permanente para qualquer turista que queira ver. Absurdo maior, desgraça maior não se pode conceber para área urbana destinada ao uso lúdico da população. Prometeram que ela seria recuperada.
A situação é ainda mais aterradora no Complexo de Suape. Longe de nossas vistas, avança uma destruição inominável da natureza e de comunidades de pessoas que ali viviam há séculos. No momento, por exemplo, decretou-se a morte de um rio, o Tatuoca, represado por necessidades do senhor dinheiro. Ao mesmo tempo, draga-se o leito do que era a continuação do mesmo rio, para facilitar a vida do estaleiro em construção no local. Local desabitado? Não, absolutamente não. Aí, e em toda a ilha de Tatuoca, como, de resto, na paisagem completa de Suape, registra-se um processo que é a negação de um desenvolvimento que traga benefícios para comunidades humildes, vítimas das alterações no ambiente promovidas por empreendimentos que sacrificam meios de vida, estes sim, sustentáveis. Tudo feito sem consultas prévias à população – destruição da vida –, em troca de ganhos monetários para investidores que representam o senhor dinheiro. Segundo a Bíblia, a ser odiado. É evidente que, em Suape, ama-se o dinheiro e odeia-se a vida. Dom Fernando, ame a vida!

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