ENTRAM REFINARIA E ESTALEIROS; SAEM O CAJU E A MANGABA
Clóvis Cavalcanti
Economista e pesquisador social
Até poucos anos, a chegada do mês de outubro anunciava um dado prazeroso do verão no litoral pernambucano: início da safra de caju. De repente, ruas, calçadas, beiras de estrada, mercados se enchiam de cestas (de folhas de coqueiro), balaios, rodas de cajus grandes, pequenos, tronchos, gordos, delgados, redondos, compridos, amarelos, rosas, vermelhos, cor-de-laranja. Uma variedade enorme – no estilo de ser da natureza (onde não há homogeneidade). Os cajus vinham dos quintais, das matas, de reservas naturais como as da região de Suape, Porto de Galinhas, Itamaracá. Fazia gosto ver a multiplicidade dessa fruta maravilhosa, de odor atraente e brilhante colorido, exibida nas ruas do Recife. Eu não resistia à visão do primeiro caju da safra em começo: comprava-o para comê-lo com uma lapada de cachaça antes do almoço (como via meus tios Ernande e Vivi fazerem, sob a reprovação de meu pai). Era um prêmio ao paladar, como sabem todos aqueles que conhecem essa combinação ímpar. Infelizmente, a beleza do caju nativo sumiu. Tem-se hoje, em seu lugar, um caju uniforme, padronizado, homogêneo, de linha de produção industrial, com frutos de mesmo tamanho e cor, arrumados não mais em cestas, balaios ou rodas, e sim em bacias de isopor: cajus clonados. Cajus que aparecem desde junho, sem brio, sem charme. As novas gerações ignoram a riqueza vegetal dos cajus pernambucanos verdadeiros, como também das doces mangabas cada vez mais raras.
E isso porque a destruição ambiental no litoral pernambucano é um dos exemplos mais lamentáveis da irresponsabilidade ecológica das políticas para promoção do que, afrontando o léxico, se chama de “desenvolvimento”. A decisão de construir o complexo de Suape, por exemplo, embutia uma lógica destruidora. Na época em que o projeto foi lançado, era total o desrespeito das iniciativas governamentais ao meio ambiente. Uma reação de ambientalistas pioneiros em 1975 chamou a atenção do público para o fato. Houve reações raivosas a esses opositores de Suape – entre os quais eu me incluía – e a propagação da idéia de que ser contra o complexo era um desserviço a Pernambuco (o mesmo dogma continua prevalecendo). Compreende-se a exploração do ufanismo infantil de quem vê na indústria, nos complexos portuários, na exploração do pré-sal, etc. a grande saída para os desafios do nosso desenvolvimento. Mas até que ponto isso faz sentido numa perspectiva de muito longo prazo – que é quando interessa discutir a sustentabilidade do progresso? A civilização do petróleo talvez esteja mais perto do fim do que estamos do surgimento do projeto de Suape. Em lugar dela teremos que caminhar para um paradigma com base na energia solar. Quando a era das tecnologias limpas tiver que prevalecer, os grandes projetos pernambucanos perderão validade – e teremos ficado também sem os cajus e as mangabas insubstituíveis. Um empobrecimento eterno.
No domingo passado (8.11.09), diante da explosão urbana de Casa Forte, o Diario trouxe reportagem sobre a perda de identidade desse bairro recifense (caderno Vida Urbana). Entre os assuntos abordados, a partir de uma pesquisa da Unicap, ressaltava-se que a maior parte do patrimônio verde de Casa Forte “está nos jardins e quintais de suas casas”. É o que se observa na Fundação Gilberto Freyre, nos Maristas de Apipucos, na Fundação Joaquim Nabuco (graças a isso, consigo ainda apanhar cajus para meu hábito de combiná-los com cachaça). O quintal da Casa de Saúde S. José, na av. 17 de Agosto, acaba de ser exterminado para dar lugar, sob a aprovação dos poderes competentes (sic) a um shopping. Mais uma contribuição para o desaparecimento de nossas frutas inigualáveis. Vitória – não definitiva, porém – da vida artificial sobre a perfeição da natureza.
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