quinta-feira, 15 de janeiro de 2009
DP - dom, 11.1.2009
O ANTITURISMO DE OLINDA
Clóvis Cavalcanti - Economista e pesquisador social
Por mais boa vontade que se tenha para fazer vista grossa da desordem, o fato é que Olinda, que ostenta o laurel de Patrimônio da Humanidade, concedido pela Unesco, com sua desarrumação, está cada vez mais distante de fazer jus ao galardão. Sou morador de lá desde 1978. Tive sempre grande paixão pelo Marim, que oferece paisagens e desenho urbano tão especial. Concordo inteiramente com o verso de Carlos Pena Filho (1929-1960), segundo o qual “Olinda é só para os olhos”. Há trinta anos, citei-o em artigo que escrevi para o Jornal do Brasil, em que fazia a exaltação da cidade para onde mudara há pouco. De lá para cá, tenho presenciado um processo de decadência triste e inexorável, que faz de Olinda, apesar de intervenções que pretendem conservá-la, um espaço que se degrada. O Alto da Sé, por exemplo, que deveria ser o paradigma da conservação, pois para lá convergem todos os visitantes que chegam à cidade (passando sempre, inevitavelmente, em frente de minha casa), apresenta um estado de desfiguração inominável. Nesta época do ano, em que pessoas de outros estados e países me visitam em bom número, costumo ir com mais freqüência ao Alto da Sé. Saio de lá deprimido.
Em 1978, o local era ainda muito preservado. Podia-se avistar de lá o Horto Del Rey. Só havia uma tapioqueira, D. Conceição, que fazia ponto na esquina da Sé, sem tamboretes, toldas, etc. Sua tapioca era gostosa, feita com asseio no rigor da melhor tradição. Quem vai hoje à praça, dali sai enojado de tanta sujeira. As próprias tapiocas, que provei recentemente, são um atentado à saúde pública. Os pontos de venda de comida e bebida não obedecem a nenhum plano urbanístico. Constituem amontoados sem ordem. O jardim – de configuração paisagística imprópria para um local de valor histórico – encontra-se destruído. Há construções absolutamente irregulares por ali, inclusive de lojas que agridem o sentido do título de “World Heritage” da Unesco dado a Olinda. Enorme placa de propaganda do governo – outro atentado à estética – anuncia defronte da catedral que o sítio está sendo urbanizado e que lá se constrói um mercado de artesanato. Ótimo que se faça isso. Mas é preciso que se tenha que deixar que antes uma destruição completa aconteça? Isso também não justifica a sujeira, a podridão, o estado de miséria que ali se vê, semelhante ao pior do que já observei na África (Mali, Burkina Fasso, Níger, Angola). E para quê placa tão gigantesca de propaganda do governo?! Aliás, algo de tamanho totalmente descomunal – e impróprio – é a placa do gasoduto que os governos federal e estadual implantaram na BR-232, à altura da entrada de Moreno: eleva-se à altura de um edifício de cinco pisos! Um perigo para a atenção dos motoristas.
A desfiguração de Olinda se vê com tristeza no adro do convento de São Francisco, meu vizinho. Para proteger ruínas de possível interesse histórico, cavou-se um buraco e transformou-se a praça, que era de desenho agradável, em monstrengo disforme que dificulta seriamente a movimentação de pessoas menos ágeis (onde estão as leis que impõem facilidade para quem não tem condições de locomover-se facilmente?). Na praça do Carmo, objeto de intervenções que a têm tornado mais atraente – interrompidas, porém, antes que se desse o acabamento final –, uma invasão se serviços informais de bebida e comida nos finais de semana espanta qualquer turista desavisado que por ali vá fazer sua curtição. A calçada, renovada com cuidados, vira piso encardido, fétido. A aproximação do carnaval, aliás, aterroriza os olindenses que pagam impostos para que a cidade seja bem cuidada. Não é degradação o que se quer. E o prefeito recém-empossado ainda diz que a folia de Olinda deve se estender mais pela noite afora. Vê-se que S. Excia. é mesmo um forasteiro.
Clóvis Cavalcanti - Economista e pesquisador social
Por mais boa vontade que se tenha para fazer vista grossa da desordem, o fato é que Olinda, que ostenta o laurel de Patrimônio da Humanidade, concedido pela Unesco, com sua desarrumação, está cada vez mais distante de fazer jus ao galardão. Sou morador de lá desde 1978. Tive sempre grande paixão pelo Marim, que oferece paisagens e desenho urbano tão especial. Concordo inteiramente com o verso de Carlos Pena Filho (1929-1960), segundo o qual “Olinda é só para os olhos”. Há trinta anos, citei-o em artigo que escrevi para o Jornal do Brasil, em que fazia a exaltação da cidade para onde mudara há pouco. De lá para cá, tenho presenciado um processo de decadência triste e inexorável, que faz de Olinda, apesar de intervenções que pretendem conservá-la, um espaço que se degrada. O Alto da Sé, por exemplo, que deveria ser o paradigma da conservação, pois para lá convergem todos os visitantes que chegam à cidade (passando sempre, inevitavelmente, em frente de minha casa), apresenta um estado de desfiguração inominável. Nesta época do ano, em que pessoas de outros estados e países me visitam em bom número, costumo ir com mais freqüência ao Alto da Sé. Saio de lá deprimido.
Em 1978, o local era ainda muito preservado. Podia-se avistar de lá o Horto Del Rey. Só havia uma tapioqueira, D. Conceição, que fazia ponto na esquina da Sé, sem tamboretes, toldas, etc. Sua tapioca era gostosa, feita com asseio no rigor da melhor tradição. Quem vai hoje à praça, dali sai enojado de tanta sujeira. As próprias tapiocas, que provei recentemente, são um atentado à saúde pública. Os pontos de venda de comida e bebida não obedecem a nenhum plano urbanístico. Constituem amontoados sem ordem. O jardim – de configuração paisagística imprópria para um local de valor histórico – encontra-se destruído. Há construções absolutamente irregulares por ali, inclusive de lojas que agridem o sentido do título de “World Heritage” da Unesco dado a Olinda. Enorme placa de propaganda do governo – outro atentado à estética – anuncia defronte da catedral que o sítio está sendo urbanizado e que lá se constrói um mercado de artesanato. Ótimo que se faça isso. Mas é preciso que se tenha que deixar que antes uma destruição completa aconteça? Isso também não justifica a sujeira, a podridão, o estado de miséria que ali se vê, semelhante ao pior do que já observei na África (Mali, Burkina Fasso, Níger, Angola). E para quê placa tão gigantesca de propaganda do governo?! Aliás, algo de tamanho totalmente descomunal – e impróprio – é a placa do gasoduto que os governos federal e estadual implantaram na BR-232, à altura da entrada de Moreno: eleva-se à altura de um edifício de cinco pisos! Um perigo para a atenção dos motoristas.
A desfiguração de Olinda se vê com tristeza no adro do convento de São Francisco, meu vizinho. Para proteger ruínas de possível interesse histórico, cavou-se um buraco e transformou-se a praça, que era de desenho agradável, em monstrengo disforme que dificulta seriamente a movimentação de pessoas menos ágeis (onde estão as leis que impõem facilidade para quem não tem condições de locomover-se facilmente?). Na praça do Carmo, objeto de intervenções que a têm tornado mais atraente – interrompidas, porém, antes que se desse o acabamento final –, uma invasão se serviços informais de bebida e comida nos finais de semana espanta qualquer turista desavisado que por ali vá fazer sua curtição. A calçada, renovada com cuidados, vira piso encardido, fétido. A aproximação do carnaval, aliás, aterroriza os olindenses que pagam impostos para que a cidade seja bem cuidada. Não é degradação o que se quer. E o prefeito recém-empossado ainda diz que a folia de Olinda deve se estender mais pela noite afora. Vê-se que S. Excia. é mesmo um forasteiro.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário