sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Artigo publicado

Diario de Pernambuco, 26.10.2008

UMA DESGRAÇA ECONÔMICA SE AVIZINHA
Clóvis Cavalcanti
Economista e pesquisador social

O mundo parece estar à beira de grave crise econômica, talvez mesmo de uma desgraça. Da última vez em que um abalo semelhante ao atual aconteceu (1929), seguiu-se a década da Grande Depressão. Naquela ocasião, a economia virtual do dinheiro era menor do que a economia real de produção, renda e consumo. Antes do tumulto atual, havia uma circulação diária nos mercados financeiros mundiais da ordem de 2 trilhões de dólares, enquanto as centrais econômicas globais geravam um PIB de “apenas” 50 bilhões de dólares – 13 vezes menor do que o giro financeiro. Era óbvia a disparidade da economia de papel sobre a economia real. Ela não tinha onde se sustentar. Escrevi sobre isso aqui no Diário no dia 27 de setembro de 1998 (meu artigo se intitulava “O Papel do Dinheiro”). Deu no que deu. O modelo neoliberal, em que tanto o próprio governo do Presidente Lula da Silva confiou, ruiu de forma estrondosa. Sobre isso, sentenciou o famoso economista da Universidade de Columbia (EUA) Jeffrey Sachs no jornal britânico The Guardian de 21 do corrente: “O sistema financeiro internacional quebrou”. E com ele, o inteiro sistema capitalista anglo-saxônico. Ficou sem chão o evangelho neoliberal que pregava que o mercado sabia de tudo.
A sensação de perplexidade é generalizada. Ninguém sabe o que fazer. Sabe-se, sim, como salienta o mega-investidor George Soros, que o modelo imperante de globalização e desregulamentação estourou, causando a crise atual. Soros foi um dos primeiros atores das finanças mundiais a alertar quanto aos perigos da “securitização” de quase tudo no mercado do dinheiro – de hipotecas a contas de cartões de crédito. Outro grande nome das finanças, Warren Buffett – um dos homens mais ricos do planeta –, tentou mostrar o perigo dos misteriosos instrumentos financeiros chamados de “derivativos”, classificando-os como “armas financeiras de destruição em massa”. Contrariamente, o então presidente do banco central americano (o Fed), Alan Greenspan, muito admirado pelos economistas do mundo inteiro, insistia que não, os derivativos desempenhavam importante papel diluindo os riscos das jogadas financeiras. A agência de supervisão do mercado de papéis dos EUA, conhecida pela sigla SEC, desorientada no seu mister, inventou modelos incrivelmente complexos para acompanhar o que acontecia. Esses modelos ficaram conhecidos como as “Simulações de Monte Carlo”. Note-se: Monte Carlo, não por acaso, é o nome do famoso cassino de Mônaco. Pelas regras suicidas da SEC, removeu-se o teto de 12 para 1 nas alavancagens dos bancos (relação entre dinheiro aplicado e dinheiro captado). Os bancos passaram a poder fazer as apostas que quisessem!
Nesse clima de permissividade, de extremado liberalismo (neo e antigo) tão do gosto de políticos barulhentos que agora estão caladinhos como aves na muda, o famoso mercado fez o que quis. Seu combustível era a ganância insaciável, alimentada pelo credo que congrega todas as direitas e todas as esquerdas em um pensamento único: a veneração do crescimento econômico (como se crescer fosse sempre possível num mundo finito). Jeffrey Sachs, no artigo mencionado, diz: reformas “serão necessárias para que se alcance crescimento sustentado”. Em abril deste ano, o analista Paul Sankey, do Deustcher Bank, falava na revista Newsweek: “O mercado quer crescimento, crescimento, crescimento”. Todos se maravilham diante de quase 30 anos de crescimento chinês a 10% ao ano. O Brasil se baba diante do seu PAC. Ao mesmo tempo, os ensinamentos da história econômica registram que após uma crise financeira séria, sucede-se um declínio profundo da produção, da renda, do emprego. Tudo porque o dinheiro some. Esse aperto está agora às portas e nos golpeará a todos. Desgraça neoliberal!

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