Artigo
meu, publicado hoje, 13.1.16, no Diario de Pernambuco (abaixo). Eu
escrevi nesse jornal desde 1998, regularmente. Em junho de 2014, um
artigo meu foi censurado. Decidi não mais escrever para ele. Agora, com
novos proprietários -- os irmãos Alexandre e Maurício Rands, empresários
competentes --, volto a escrever.
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Ameaças à excepcionalidade de Olinda
Clóvis Cavalcanti
Presidente de Honra da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (EcoEco)
“Para quem visita Olinda e não se perde em detalhes, a cidade aparece
na observação a partir de um alto como o da Sé, através da forma
harmoniosa das casas, da silhueta altiva das igrejas, das copas
ondulantes dos coqueiros, mangueiras, cajueiros, abacateiros, do
brilhante azul do mar tropical. A visão justifica a origem lendária do
nome: ‘Ó linda situação para se fundar uma vila!’ Entretanto, um contato
mais íntimo, demorado, com a realidade da antiga Marim dos Caetés ou
Vila Mirim evidencia a condição de cidade ameaçada com que Olinda se
apresenta hoje”. Essa narrativa é o começo de artigo meu publicado pelo
extinto Jornal do Brasil – grande diário do Rio de Janeiro – no dia 2 de
fevereiro de 1981. Cabe perfeitamente, porém, para retratar uma
situação bem atual. Pior: Olinda só se integrou à lista do patrimônio
cultural da Humanidade, por ato da Unesco – a agência da ONU
encarregadas dos assuntos educacionais, científicos e culturais do mundo
– em 17 de dezembro de 1982. Ou seja, tinha – e tem – a obrigação de
não negar as características de “valor excepcional e universal” de um
sítio que “requer proteção para benefício de toda a humanidade”, motivo
de sua escolha para ser cidade-patrimônio (World Heritage), como diz o
diploma da Unesco. “Monumentos abandonados, rachões que se multiplicam
... calçadas que se desfazem” eram situações que, entre outras, eu
assinalava em meu artigo de 1981. Queria dar um grito de olindense para
chamar a atenção quanto ao descaso, ao abandono, à forma perigosa com
que se estava tratando lugar tão excepcional e único, característica
perfeitamente percebida pela Unesco.
Assim, além de bradar contra a
irresponsabilidade relativa aos cuidados com minha linda Olinda, eu
acrescentava: “a despeito disso tudo, a primeira capital de Pernambuco
continua exercendo um fascínio sobre seus moradores, sobre os visitantes
que a ela acorrem, sobre os apreciadores da documentação viva de nossa
história, que é o mesmo que maravilhava Joaquim Nabuco, que fez Darwin
preferir Olinda ao Recife. Essa atração não se apaga facilmente; afinal,
ela é produto da luz, do brilho, da luminosidade que conferem aos
verdes tropicais olindenses ... uma cor doce e ao ar cálido, uma leveza
... responsáveis por agradáveis sensações táteis”. Adicionava a
singularidade das manifestações culturais de Olinda, a exemplo do
carnaval, “o gostoso carnaval de rua, livre, descontraído, sem
exageros”, democrático, aberto, barato, de acesso fácil para quem tem
baixa renda. Minha preocupação, então e agora, era, e é, de que se
esteja fazendo tudo para insidiosamente acabar com os atrativos
olindenses. Um périplo pela cidade, a partir de minha casa na
privilegiada localização junto do convento franciscano mais antigo do
Brasil – com belas vistas para todos os lados, a da direção sul
infelizmente aviltada, se bem que ao longe, pelas miseráveis torres do
Cais de Santa Rita –, permite verificar como a cidade vai se desfazendo.
O adro do convento meu vizinho foi completamente desfigurado por uma
obra de dez anos atrás, inconclusa e que se destinava, supostamente, a
“revitalização” do local. Ficou dela um canteiro de obras, um desnível
absurdo entre a via pública da frente do convento e a pracinha com o
cruzeiro abaixo, desnível protegido por gradil mambembe de metal,
verdadeira gambiarra. Sobressai a pouca, rala inteligência de quem
iniciou a obra e a abandonou posteriormente.
Entristece ver a
situação a que chegaram os templos do Bonfim e São Pedro Mártir,
ameaçados de ruir. Fiações caóticas, com postes que parecem de galpões
de depósito de periferia urbana constituem a rede de distribuição de
energia da cidade. Como é possível que isso ainda exista quando, há mais
de dez anos, se iniciou um processo de embelezamento de postes e
ocultação de fios que ficou limitado, no entanto, a 3 ou 4 vias
públicas? Na área do Fortim do Queijo, implantou-se um calçadão há menos
de 8 anos, com lajes de pedra muito frágeis que se desmancham e pedem
reposição a ritmo escandalosamente curto. Sujeira, mau cheiro, pichações
– não há limite para a criatividade do que é negativo em Olinda. A isso
se soma o barulho de bares e shows ao ar livre, com música lixo (que
ninguém, nem mesmo seus autores, poria no quarto de um recém-nascido ou
de um doente da família). Dentro de minha casa, sou obrigado a ouvir
escolhas musicais que jamais faria (sinto-me muito bem, todavia, quando
ouço os cânticos gregorianos no Mosteiro de São Bento de Olinda). E olhe
que nem moro ao lado de quem produz a miséria auditiva de música
bate-estaca, o que me faz imaginar o suplício de quem está junto dessa
fonte.
Recentemente, se inventou a porcaria das casas-camarote –
guetos para ricos e apaniguados – no carnaval de Olinda. Dentro desses
espaços de folia pasteurizada, alguns dos quais chegaram a funcionar até
2013, faziam-se shows para os que deles se serviam pagando fortunas ou,
de graça, fazendo parte de panelinhas de privilegiados, que ofendiam o
carnaval de rua e agrediam os moradores próximos. Graças a Deus, a
prefeitura não aprovou essas casas-camarote em 2014 e 2015. Isso, depois
que a população que sabe o que é o carnaval de Olinda se mobilizou, fez
protestos e impôs o perfil tradicional da cultura olindense. Aliás, foi
uma inciativa dos moradores do Sítio Histórico, em 1980, que tirou o
trânsito de veículos das ruas do carnaval olindense. Naquele ano, a
prefeitura não assumiu oficialmente o fechamento da cidade, mas concedeu
permissão para que os moradores o fizessem. Funcionou tão bem que, em
1981, e daí em diante até hoje, a prefeitura proíbe a circulação de
carros nas ruas reservadas para a folia. Melhorou muito a animação e
curtição do carnaval depois disso. Contudo, é assustadora a quantidade
de veículos de não-olindenses que consegue entrar nas ruas fechadas do
Sítio Histórico de Olinda e nelas estacionar durante o carnaval. Minha
rua, por exemplo, à noite, normalmente, só registra a presença de 4 ou 5
carros estacionados – dois deles o de Vera, minha mulher, e o meu. Nas
horas diurnas do carnaval, porém, estacionam até 50 carros. Um absurdo,
pois é invasão de veículos sem nada a ver com a vida quotidiana da
cidade. Não é possível que a excepcionalidade de valor cultural e
universal de Olinda seja jogada no lixo e se termine levando a Unesco a
retirar o título que conferiu à cidade, com toda justiça, em 1982.
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Jornal do Brasil, 7.9.1981 |
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Jornal do Brasil, 2.2..1981 |
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Titulo dado a cidade de Olinda |