domingo, 31 de outubro de 2010

Artigo publicado no DP, dom. 31 out 2010

A SAÚDE DO PLANETA

Clóvis Cavalcanti

Economista ecológico e pesquisador social


Documento muito esperado entre estudiosos do meio ambiente e que se publica a cada dois anos é o relatório Planeta Vivo, do WWF. Sua versão de 2010 acaba de sair em várias línguas, inclusive português (ótima tradução). Sobre ele publicou matéria este Diário no dia 21 de outubro. O texto consiste em importante contribuição para que se conheça a saúde do planeta. Ele emprega conceitos como o da pegada ecológica, que mostra a medida da pressão humana sobre a natureza e sobre sua capacidade regenerativa (“biocapacidade”). O conceito da pegada ecológica surgiu no início dos anos 1990 na Universidade de British Columbia, Canadá. Evoluiu até sua forma atual graças à ONG Global Footprint Network, parceira do WWF, junto com a Sociedade Zoológica de Londres, na preparação do Planeta Vivo Relatório 2010. A principal conclusão do trabalho é de que os indicadores empregados “demonstram claramente que o aumento sem precedentes da busca por riqueza e bem-estar nos últimos 40 anos está exercendo pressões insustentáveis sobre o nosso planeta”. Registra-se um declínio na saúde das espécies que formam a base dos serviços ambientais necessários a tudo o que os humanos podem fazer. De fato, a pegada ecológica global indica que as demandas humanas de recursos naturais dobraram desde os anos 1960, enquanto o índice da vitalidade da Terra caiu de 30%. O pior é que, devido ao comércio internacional, os índices relativos aos países tropicais e aos países mais pobres do mundo sofreram queda ainda maior: de 60% desde 1970.

O que acontece é que a economia não paira no vácuo. Ela se assenta em alicerces biofísicos. Decorre daí a capacidade de carga, equivalente ao “calado” de um navio, que a Terra pode suportar. É assim que se deve entender a noção de sustentabilidade. A economia não pode fingir que não depende de leis físicas, se o que ela faz é transformar recursos em artefatos úteis (que depois se degradam e viram lixo, inexoravelmente). Dessa forma, os limites do ecossistema planetário são testados, coisa de que fala a WWF. Retira-se do planeta, hoje, mais do que ele pode dar em cada período. Em 2007, por exemplo, a sobrecarga imposta pelas atividades humanas foi 50% maior que a capacidade regenerativa do planeta. Cria-se assim uma economia de bolha, pura ilusão. O fenômeno se retrata em termos do que a aceleração do crescimento faz no tocante à demanda de alimentos, bebidas, energia, transportes, produtos eletrônicos, espaços de vida e de descarte de resíduos, como o dióxido de carbono derivado da queima de combustíveis fósseis. O Brasil cresce atualmente de 8% ao ano – dizem. Terá então em 2020 uma economia 4,7 vezes maior do que a atual: haverá cinco vezes mais carros nas ruas (ou mais até), cinco vezes mais consumo nos shopping centers, em cada momento, etc. Não é, certamente, um cenário luminoso.

Convém lembrar que o que interessa à sociedade é elevar a qualidade de vida desta e das futuras gerações. Crescer por crescer é a filosofia da célula cancerosa. Elevar a qualidade de vida significa menos violência e insegurança, menos doenças e cidades medíocres. Significa comer bem (não fast food, junk food, comida-lixo, mas comida decente, gostosa, que junte as pessoas). Significa mais alegria de viver, segurança, emprego, habitação; mais justiça, mais (e melhor) educação, mais paisagens belas, confraternização, solidariedade, paz; mais liberdade, mais cidadania; mais horas de lazer (menos horas perdidas). Significa mais amor (alguma dúvida?). Ou seja: máximo de felicidade com mínimo impacto ecológico e ético. Esse é o verdadeiro desenvolvimento que se busca. O que nós vemos, como mostra o WWF, é enganoso. Daí, a preocupação dos ambientalistas quanto à eleição de Marina Silva, cujo programa de governo, Agenda por um Brasil Justo e Sustentável, falava exatamente disso.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Artigo publicado no DP, dom, 10.10.2010

VITÓRIA DE MARINA
Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social

Se houve um vencedor verdadeiro nas eleições de 3 de outubro, seu nome é Marina Silva, e a bandeira que empunhou. Contra todas as expectativas (seus seguidores achavam que, se ela tivesse 15% dos votos, seria uma conquista) Marina atingiu 20% dos votos válidos no país. Para isso, dispôs de tempo mínimo no programa eleitoral gratuito, enquanto Dilma Rousseff aparecia demoradamente, além de contar com todo aparato do governo que representava na disputa para fazer promoção de sua candidatura. Afora isso, as “pesquisas” sempre apontavam Marina com um porcentual de votos que não coincidia com o sentimento das ruas. Aliás, está na hora, mais uma vez, de pôr em dúvida a seriedade desses levantamentos. Primeiro que tudo, não deveriam se chamar de “pesquisas”. Pesquisa é o trabalho científico rigoroso que se faz nos laboratórios, nos departamentos universitários e nos institutos independentes (como o de Matemática Pura e Aplicada, Impa, o Nacional de Pesquisas da Amazônia, Inpa, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, CBPF, a Fiocruz). Em inglês, pesquisa é research. Levantamentos eleitorais e de opinião se chamam de poll. A instituição que os executa recebe o nome de pollster. Em espanhol faz-se idêntica distinção: investigación (pesquisa) e encuesta. Mesma coisa no francês: recherche e enquête. Por outro lado, as tais margens de erro – tipo 2% para mais e 2% para menos – precisam ser explicadas. O que isso quer dizer? Na pesquisa científica, estudos por amostragem indicam margens que dependem do desvio padrão. Não é o caso das polls. Elas informam o mesmo intervalo de confiança, quer a medida seja de 51% (resultado da votação de Dilma na “pesquisa” de boca de urna usada pela TV Globo, um fiasco completo), quer seja de 1%. Neste último caso, a votação poderia atingir então -1%! Uma tolice. A propósito, a Rede Globo insistia em mostrar resultados de “pesquisas” de boca de urna quando as apurações estavam avançadas, como se isso significasse alguma coisa. É fazer de bobo o telespectador. Àquela altura, os resultados já mostravam com clareza a besteira das consultas prévias à votação. Nesse ponto, a Band seguia um caminho de melhor senso. Trouxe pessoas competentes para falar, como o senador Álvaro Dias e o marqueteiro José Lavareda. O primeiro chamou atenção para o nó que estava sendo dado nas “pesquisas” pela apuração dos votos, coisa que, em nenhum momento, apareceu no universo pasteurizado de informação da Globo.
Pois bem, o Brasil deu sinal de vida. Não acreditou na edulcorada propaganda da candidata Dilma Rousseff, amparada nas margens extraordinárias de aprovação do governo Lula. E tinha razões para desconfiar, inclusive pela triste história dos escândalos inadmissíveis dos últimos oito anos. Francamente, eu esperava tudo de um governo do PT, menos a reprodução de práticas de mau uso de recursos públicos na escala verificada. Nesse particular, se uma candidatura a presidente da República merece a qualificação de “ficha limpa”, é o caso da de Marina. O Brasil viu isso e apoiou a novidade humilde e verdadeira da candidata do Partido Verde. Vale lembrar que foi Sérgio Xavier, presidente do PV em Pernambuco e candidato a governador do Estado (com 2% dos votos, uma vitória), quem convenceu Marina a aceitar ser candidata. Ele a trouxe para o partido também. Foi auxiliado, claro, por muita gente; porém, a iniciativa partiu dele. Pessoalmente, fiquei muito feliz com o resultado da eleição. Queria, obviamente, que o PV tivesse a oportunidade de poder dispor de tempo para, com Marina, passar uma mensagem nova aos eleitores do país. Aí, sim, se poderia ver a diferença entre o discurso sustentabilista sério do movimento ambiental e a retórica crescimentista oca dos adoradores do deus crescimento. De qualquer forma, nas urnas do Colégio de São Bento, em Olinda, meu domicílio eleitoral, Marina teve 832 votos (36%), contra 1.045 de Dilma (45%) e 445 de Serra. Uma vitória para minha candidata – que era só felicidade no discurso da noite do dia 3.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

ANPPAS - Floripa out 2010



Clóvis Cavalcanti no V ENANPPS - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade - Florianópolis, de 4 a 7 out. 2010

Estou no congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade (Anppas), em Florianópolis. Fui eleito ontem para a diretoria dela (sem fazer qualquer espécie de campanha). Pois bem, ontem e anteontem (tem mais hoje), coordenei uma discussão de trabalhos de pesquisadores de todo o país acerca dos impactos sociais e ambientais dos grandes empreendimentos no país (tipo Suape, porto em São João da Barra, RJ, mineradoras de Oriximiná, PA, expansão urbana, etc.). Os resultados mostram terríveis situações de destruição em toda a parte (destruição humana e ecológica; em São João da Barra, hoje, o desemprego é de 42%), fatos que são escondidos pela fachada de progresso dos PACs da vida. Alguns dos apresentadores são do PT. Uma pesquisadora de Brasília fez um estudo com indicadores, usando o conceito de desenvolvimento sustentável de Ignacy Sachs, e chegou à conclusão de que o desenvolvimento de todos os estados do Norte (AM, PA, AP, RR, RO, AC, TN) ou está em situação crítica ou levando ao colapso -- desenvolvimento, pois, INsustentável! Supondo que todos sejam sérios, idôneos e competentes -- o que parece ser o caso --, o fato é que essa é uma realidade que não sensibiliza ninguém. Sensibilizou Marina. E as pessoas (há muito tempo) do "invertebrado" PV.