A SAÚDE DO PLANETA
Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social
Documento muito esperado entre estudiosos do meio ambiente e que se publica a cada dois anos é o relatório Planeta Vivo, do WWF. Sua versão de 2010 acaba de sair em várias línguas, inclusive português (ótima tradução). Sobre ele publicou matéria este Diário no dia 21 de outubro. O texto consiste em importante contribuição para que se conheça a saúde do planeta. Ele emprega conceitos como o da pegada ecológica, que mostra a medida da pressão humana sobre a natureza e sobre sua capacidade regenerativa (“biocapacidade”). O conceito da pegada ecológica surgiu no início dos anos 1990 na Universidade de British Columbia, Canadá. Evoluiu até sua forma atual graças à ONG Global Footprint Network, parceira do WWF, junto com a Sociedade Zoológica de Londres, na preparação do Planeta Vivo Relatório 2010. A principal conclusão do trabalho é de que os indicadores empregados “demonstram claramente que o aumento sem precedentes da busca por riqueza e bem-estar nos últimos 40 anos está exercendo pressões insustentáveis sobre o nosso planeta”. Registra-se um declínio na saúde das espécies que formam a base dos serviços ambientais necessários a tudo o que os humanos podem fazer. De fato, a pegada ecológica global indica que as demandas humanas de recursos naturais dobraram desde os anos 1960, enquanto o índice da vitalidade da Terra caiu de 30%. O pior é que, devido ao comércio internacional, os índices relativos aos países tropicais e aos países mais pobres do mundo sofreram queda ainda maior: de 60% desde 1970.
O que acontece é que a economia não paira no vácuo. Ela se assenta em alicerces biofísicos. Decorre daí a capacidade de carga, equivalente ao “calado” de um navio, que a Terra pode suportar. É assim que se deve entender a noção de sustentabilidade. A economia não pode fingir que não depende de leis físicas, se o que ela faz é transformar recursos em artefatos úteis (que depois se degradam e viram lixo, inexoravelmente). Dessa forma, os limites do ecossistema planetário são testados, coisa de que fala a WWF. Retira-se do planeta, hoje, mais do que ele pode dar em cada período. Em 2007, por exemplo, a sobrecarga imposta pelas atividades humanas foi 50% maior que a capacidade regenerativa do planeta. Cria-se assim uma economia de bolha, pura ilusão. O fenômeno se retrata em termos do que a aceleração do crescimento faz no tocante à demanda de alimentos, bebidas, energia, transportes, produtos eletrônicos, espaços de vida e de descarte de resíduos, como o dióxido de carbono derivado da queima de combustíveis fósseis. O Brasil cresce atualmente de 8% ao ano – dizem. Terá então em 2020 uma economia 4,7 vezes maior do que a atual: haverá cinco vezes mais carros nas ruas (ou mais até), cinco vezes mais consumo nos shopping centers, em cada momento, etc. Não é, certamente, um cenário luminoso.
Convém lembrar que o que interessa à sociedade é elevar a qualidade de vida desta e das futuras gerações. Crescer por crescer é a filosofia da célula cancerosa. Elevar a qualidade de vida significa menos violência e insegurança, menos doenças e cidades medíocres. Significa comer bem (não fast food, junk food, comida-lixo, mas comida decente, gostosa, que junte as pessoas). Significa mais alegria de viver, segurança, emprego, habitação; mais justiça, mais (e melhor) educação, mais paisagens belas, confraternização, solidariedade, paz; mais liberdade, mais cidadania; mais horas de lazer (menos horas perdidas). Significa mais amor (alguma dúvida?). Ou seja: máximo de felicidade com mínimo impacto ecológico e ético. Esse é o verdadeiro desenvolvimento que se busca. O que nós vemos, como mostra o WWF, é enganoso. Daí, a preocupação dos ambientalistas quanto à eleição de Marina Silva, cujo programa de governo, Agenda por um Brasil Justo e Sustentável, falava exatamente disso.